A importância de crianças aprenderem noções básicas de primeiros socorros
Damaris Gomes Maranhão* Publicado em 21/02/2021, às 00h00 - Atualizado às 14h01
Essa semana fomos surpreendidos pela feliz notícia de que Sofia, uma menina inglesa de três anos, ao encontrar a mãe desfalecida no piso da cozinha após cair de uma bancada na qual se apoiava para pintar a parede, ligou para o serviço de emergência. A operadora do Sistema de Emergência da Inglaterra, ao perceber que sua interlocutora era uma criança, conduziu muito bem a interação, formulando perguntas para avaliar o contexto e o estado da vítima. Ao mesmo tempo tranquilizou a menina perguntando sobre o cachorro que latia ao fundo, enquanto providenciava o envio imediato da ambulância com os socorristas. A menina havia aprendido com a mãe a acionar o aplicativo 999 (emergência naquele país) no celular caso alguém necessitasse.
Conforme analisa Maria Paula Zurawski, Professora Doutora em Educação Infantil, do Instituto de Educação Vera Cruz, “As pessoas tendem a achar Sofia um prodígio, mas ela não é um prodígio. É uma criança que consegue se comunicar muito bem, tem apropriação da linguagem verbal porque as pessoas (a mãe, talvez outras pessoas também) sempre conversaram muito com ela: conversar é algo que faz sentido para Sofia. Também é uma criança levada a sério, pois a mãe a incluiu em questões que para muita gente só poderiam ser tratadas por adultos. Saber conversar e ser respeitada como sujeito é o que permitiu à Sofia fazer o que fez!”
Esse caso, além de ilustrar muito bem a importância de incluirmos as crianças como sujeitos capazes, dialogando com eles sobre o que vivenciam conosco, também ilustra a importância das aprendizagens sobre os cuidados de si e do outro, que incluem a comunicação.
Esse não é o primeiro caso em que uma criança ajuda a socorrer uma pessoa acionando o serviço de emergência na Inglaterra. Talvez essa seja uma característica decorrente de uma política pública e educacional do país, ao incluir as crianças para acionar o serviço de emergência ao perceberem uma acidente ou pessoa desfalecida. Aqui no Brasil também tivemos casos semelhantes embora o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) ainda receba muitas ligações falsas ou trotes, tanto de crianças como de adultos.
Em 2014, também na Inglaterra, Riley de apenas dois anos ligou para o serviço de emergência, conforme havia aprendido com a mãe, ao vê-la desmaiar em casa devido hemorragia interna.
Em 2017, Romani de quatro anos estava em sua casa com seus dois irmãos e sua mãe. De repente a mãe caiu no chão inconsciente e ele colocou o polegar materno sobre o Touch ID do iPhone ativando um aplicativo denominado Siri que o ajudou a ligar para o 999, número de emergência na Inglaterra. A gravação com o atendente foi publicada e evidencia a capacidade da criança em lidar com a situação, mesmo quando acha que a mãe estava “morta”. A boa comunicação entre o menino e o agente que o atendeu ao telefone possibilitou que os socorristas chegassem na residência após 13 minutos. Ao forçarem a porta encontraram as crianças ao lado da mãe inconsciente. A mãe foi reanimada pelos socorristas e transferida para um hospital. O serviço que atendeu esse caso publicou o seguinte alerta:
“Eu imploro a todos os pais de crianças pequenas para se sentarem com eles e se certificarem de que eles saibam o que fazer neste tipo de situação e que saibam como entrar em contato com a polícia ou outros serviços de emergência. Como esse caso demonstra tão pungentemente, poderia realmente ser a diferença entre a vida e a morte” . Conforme alerta a colunista que publicou essa notícia, “situações como esta nunca são previstas por ninguém, por isso realmente é importante que todos nós, inclusive as crianças, saibamos como proceder. Aos desavisados, aqui no Brasil você pode utilizar o 192 (Samu) para emergências.”
Lembrando que 190 é Polícia Militar e 193 Bombeiros.
Uma menina de sete anos, também inglesa, que estava assistindo televisão viu a mãe desmaiar e ter uma convulsão. A menina havia aprendido técnicas de primeiros socorros no YouTube e tentou reanimar a mãe e também ligou para o serviço de emergência. A mãe foi assistida em um hospital e após ter alta foi entrevistada pelo jornalista do The Sun, um jornal britânico: “estou muito orgulhosa dela, é minha heroína”.
Aqui no Brasil também encontramos notícias sobre Vitória, de nove anos, que reside em Teresina, Piauí, e que acionou o SAMU, sob orientação do pai que estava com intensa cólica renal. A enfermeira que estava ao lado da telefonista disse que ficaram comovidas porque “é uma raridade uma criança de tão pouca idade ligar e fornecer corretamente todos os dados necessários pois até os adultos tem dificuldade de fazer isso” .
Na mesma cidade, Walter, sete anos, empregou técnicas de primeiros socorros aprendidas em um projeto para crianças realizado pelo SAMU – denominado Samuzinho. A família almoçava em casa e o primo Alírio, três anos, se engasgou. “Desesperados, o avô e a tia da criança tentaram socorrê-la, mas não sabiam como agir.”
Walter disse que sabia como ajudar e após realizar três manobras de Heimlich, uma técnica de primeiros socorros para maiores de um ano, o primo Alírio eliminou o bolo alimentar que obstruía sua respiração. A família explicou ao repórter da Uol notícias, que na semana anterior Walter participou das aulas do projeto Samuzinho, mas havia ficado frustrado por ter “errado” a manobra demonstrada em um boneco próprio para simulação.
O projeto Samuzinho ensina para crianças na faixa etária de 7 a 12 anos, as atitudes e técnicas para primeiros socorros. A enfermeira instrutora do SAMU avalia que as crianças são muito interessadas, aprendem facilmente e são menos inibidas que os adultos. “Elas podem ser multiplicadores nas escolas, em seus grupos sociais. Estamos usando as crianças para conscientizar os grandes”.
Em nossa experiência como participante da elaboração e instrutora do curso de primeiros para profissionais que atuam em creches de empresas administradas pelo Centro de Educação e Formação–CEDUC, percebemos que alguns adultos têm mais dificuldade de controlar as emoções que outros, diante de uma situação em que simulamos um engasgo e parada cardiorrespiratória. Em situações de engasgo e parada cardiorespiratória, é preciso agir rápido e, ao mesmo tempo, solicitar que alguém acione o SAMU pelo telefone. Mas, conforme alertam os técnicos do SAMU, é preciso que toda a população, desde as crianças, aprendam as atitudes e técnicas básicas para socorrer uma pessoa que se engasga pois o tempo decorrido até chegar o socorro especializado pode resultar em uma parada cardiorrespiratória irreversível ou com consequências graves.
A mãe de Walter explica que o nervoso dela e do sogro diante do engasgo do sobrinho atrapalhou a ação: “foi assim impressionante, porque algo que a gente não conseguiu fazer, uma criança fez sem dificuldade, porque realmente ele não estava nervoso”. Entretanto todos podemos aprender a superar a ansiedade se aprendermos as atitudes e manobras corretas, treinando-as em oficinas empregando bonecos específicos tanto para simular as técnicas em menores e maiores de ano, pois são diferentes.
A notícia sobre a atitude de Sofia, que inicia esse texto, me inspirou a pesquisar sobre outros casos e escrever esse texto, complementando de certa forma a publicação sobre prevenção de engasgo. Aprender primeiros socorros também contribui para medidas de prevenção, uma vez que vivencia-se as situações que podem ser resultantes de oferta de determinados alimentos, ou acesso a determinados objetos às crianças maiores e menores de um ano. Prevenir é melhor que remediar, diria minha mãe.
O sucesso de um primeiro socorro começa pela avaliação da vítima e cenário e, dependendo dessa avaliação, iniciar o procedimento e ao mesmo tempo solicitar ajuda imediata ao serviço de emergência para continuar o processo de assistência a vítima. Mas isso depende do acesso ao número de telefone do serviço de emergência daquela localidade, assim como da capacidade de autocontrole para não deixar que o desespero, medo, insegurança afete a necessária comunicação. Treinar as técnicas de desobstrução de vias aéreas para menores de um ano, maiores de um e menores de oito anos e para adolescentes e adultos também pode fazer a diferença. O impulso de realizar determinados cuidados ou técnicas com base apenas no senso comum pode levar às práticas inadequadas que agravam o problema ao invés de resolvê-lo.
Lembro que em dezembro de 2014, quando minha sogra que estava no litoral na casa de um parente, teve uma síncope decorrente de um Acidente Vascular Cerebral, perdendo imediatamente a consciência após uma respiração atípica. Os familiares que estavam sentados no sofá ao seu lado, a princípio ficaram desesperados, tentando socorrê-la friccionaram seus braços com álcool (não indicado) antes de acionarem o serviço de emergência. Às vezes, ao tentar socorrer alguém com tontura ou aparentemente desmaio, tenho que conter pessoas leigas que querem sentar a vítima ao invés de mantê-la com a cabeça mais baixa que o corpo, enquanto avaliamos se está respirando e com batimentos cardíacos adequados à idade. É comum também as pessoas soprarem no rosto de quem aparenta engasgo, começar a bater nas costas de alguém que ainda está tossindo, ou oferecer água para ajudar no provável engasgo, mas essas atitudes podem agravar o problema. O mesmo ocorre quando alguém queima um dedo na panela e alguém tenta ajudá-la colocando creme dental sobre a lesão, quando o mais indicado seria colocar o dedo sob água fria corrente por cinco minutos.
Os cursos de primeiros socorros para profissionais de escolas, conforme prevê a lei Lucas, já citada no texto sobre Engasgos, também deveria ser extensivo aos outros trabalhadores e cidadãos em geral. Todos deveríamos saber como avaliar o que denominados “vitima” e quais cuidados básicos e essenciais em cada momento e situação além de saber como se comunicar com o SAMU. Não basta telefonar, mas descrever a situação e seguir as orientações do profissional que o atende.
A empresa CEDUC, que administra as creches das empresas Natura e Avon, da qual sou consultora, tem desenvolvido esses cursos para suas equipes locais desde 2005, repetindo-os anualmente para toda equipe, de forma que todos fiquem seguros para agir prontamente. Uma das primeiras coisas que aprendem em oficinas práticas é como avaliar a cena, ou seja, a situação e a vítima, e como acionar e comunicar-se com o serviço de emergência. Os alunos do curso de pedagogia do Instituto Superior de Educação Vera Cruz do qual sou professora também aprendem essas atitudes e técnicas (Maranhão, 2011).
O caso de Sofia, Rylan, Romani, da filha de Bechy Green, Vitória e Walter que conseguiram se comunicar com os técnicos do serviço de emergência e ajudar seus parentes, fará parte dos nossos exemplos que ilustram o inicio do curso que ministramos. Ele também deve servir de exemplo a todas as famílias, que devem orientar os filhos, netos, sobrinhos, como cuidar de outra pessoa que desfalece, ou sente-se mal, ou pede ajuda. Assim como os socorristas que a atenderam as chamadas, e que avaliaram o estado da vítima à distância ouvindo, perguntando, instruindo as crianças.
Parabéns à Sofia, Ryley e Romani, às mães e às operadoras do serviço de emergência da Inglaterra, assim como ao Walter e Vitória e aos idealizadores do projeto Samuzinho no Brasil. Vocês nos inspiram.
*Damaris Gomes Maranhão é Enfermeira Especialista em Saúde Pública UNIFESP/USP, Dra em Ciências da Saúde pela UNIFESP, Professora do Instituto Superior de Educação Vera Cruz, Consultora do CEDUC e Formadora no Instituto Avisalá, Mãe do Bruno e da Melissa, avó da Clara.