O que acontece no começo da vida pode ser determinante para a saúde na vida adulta. Especialistas falam da importância dos nossos primeiros 2.200 dias
Rodrigo Moraes* Publicado em 27/08/2021, às 07h00
Foram exatamente 176 dias à espera do grande dia.
Elegantemente vestida em seu macacão vermelho e preto quadriculado, babador de raposa devidamente arrumado, eis que Eva, a uma semana de completar seis meses de vida, estava pronta para sua primeira refeição sólida depois de meio ano se deleitando exclusivamente com a amamentação materna.
Chegado o grande momento, não se pode dizer que ela adorou o generoso pedaço de mamão escolhido para o debut. A bem da verdade, assim como a banana, o papaya não caiu nas graças da pequena que, por outro lado, hoje, aos dez meses, não dispensa uma boa fruta, em uma longa lista que vai da laranja à nectarina, passando pelo morango, manga e mexirica.
As refeições frugais de Eva são complemento para as refeições principais. Nelas, não faltam carboidrato, proteína e verduras, de preferência as de folhas escuras, ricas em ferro.
“Café da manhã sempre tem fruta ou alguma receita que tenha aveia, ovo e frutas. E o almoço e o jantar para ela são sem sal”, conta a mãe, a analista de mídias sociais Cibele de Proença Cury.
Tamanho cuidado com a alimentação é porque Cibele e o marido, o servidor público federal Felipe de Proença Cury, sabem ser este um dos itens fundamentais do conhecido conceito chamado “primeiros mil dias de vida”.
Esse é o período que vai do momento da concepção até os dois anos de idade da criança – ou seja, 270 dias da gestação mais os 730 dias até o segundo aniversário –, considerado pelos médicos como uma janela de oportunidades na qual as atitudes e hábitos saudáveis irão influenciar todo o futuro do bebê.
“Logo na primeira consulta o pediatra falou da importância dos dois primeiros anos de vida e passou as recomendações que ele repete em todas as visitas: zero telas, zero açúcar, passeios ao ar livre, suplementação de vitamina D e ferro, alimentação natural”, lembra Cibele, que segue à risca as recomendações.
A importância dos cuidados iniciais é tanto, que já há pesquisas que apontam para uma ampliação do período, que passaria de mil para 2.200 dias, ou seja, começando antes mesmo da gestação (pré-concepção) e chegando até os 5 anos de idade, conta a médica pediatra Virgínia Weffort.
“Esse é o período em que a criança tem suas maiores aquisições: neuropsicomotoras, da fala, do andar, do raciocínio. Então alguns estudos já têm apontado esses 2200 dias como o período de oportunidades para essas aquisições”, diz Weffort, que é professora da Universidade Federal do Triângulo Mineiro.
“A mudança, de mil para 2200 dias, foi um alerta para que os pais sigam atentos. Antes, quando a criança chegava aos dois anos, muitos pais achavam que a programação metabólica havia terminado, mas não. É muito importante seguir com a atenção até os 5 anos, pois é uma fase de desenvolvimento do cérebro”, complementa a pediatra.
Pensando justamente no pleno desenvolvimento da filha, os cuidados de Cibele e Felipe com Eva não param na alimentação. Quem acompanha os registros feitos quase diariamente pelas redes sociais sabe que os pais estão atentos não só à comida, mas também aos estímulos, que passam pelas brincadeiras, música, exercícios, sempre pontuado pelas demonstrações de afeto.
Com tudo isso, o casal está garantindo a filha o melhor possível dentro do que a ciência chama chama “efeito epigenético”, termo utilizado pelos pesquisadores para indicar que, ao contrário do que aponta o senso comum, os genes sozinhos não têm a capacidade de determinar nossas características. Na verdade, é o contrário disso, como mostra um estudo organizado pelo Centro de Saúde Infantil Comunitária do Instituto de Pesquisa Infantil Murdoch, na Austrália.
Segundo a pesquisa disponibilizada no Brasil pela Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, o desenvolvimento da criança é um processo dinâmico que envolve uma inter-relação entre os genes e o ambiente em torno da criança.
Os cuidados especiais nos primeiros anos de vida é tão importante que até tornou famosa uma teoria conhecida pelo complicado nome de Equação de Heckman.
Elaborada pelo economista norte-americano James Heckman, professor da Universidade de Chicago e vencedor do Prêmio Nobel de Economia no ano 2000, ela mostra que, para cada um dólar (US$ 1) investido na primeira infância, é possível obtém um retorno de sete dólares (US$ 7) na vida adulta, através de menor evasão escolar, menor gasto com violência e doenças evitáveis.
Para que se tenha uma ideia da importância dos cuidados na primeira infância, o investimento em saúde e educação podem render mais até mesmo aplicar na bolsa de valores, como mostra uma série de estudos comandados pelo economista Flávio Cunha, professor da Universidade Rice, nos Estados Unidos, e parceiro de Heckman em várias pesquisas sobre o tema.
Ou seja, em época de cuidados com a Covid-19, é possível pensar que investir nos cuidados precoces com as crianças é como uma vacina para o desenvolvimento humano.
*Rodrigo Moraes é jornalista
**O Programa Nestlé por Crianças Mais Saudáveis é uma iniciativa global da Nestlé, que assumiu o compromisso de ajudar 50 milhões de crianças a serem mais saudáveis até 2030 no mundo todo. Desde 1999 foram beneficiadas mais de 3 milhões de crianças no Brasil.
Com o lema “muda que elas mudam”, a partir de uma plataforma de conteúdo, o programa estimula famílias a adotarem hábitos mais saudáveis e ainda promove um prêmio nacional que ajuda a transformar a realidade de 10 escolas públicas por ano com reformas e mentorias pedagógicas.
Conheça mais no site do programa