O impacto do ensino remoto especificamente na aprendizagem da leitura e da escrita
Juliana Amorina* Publicado em 04/03/2021, às 00h00 - Atualizado às 09h56
A pandemia do novo coronavírus teve um impacto gigantesco em diversos setores da sociedade, e podemos afirmar com segurança que a educação foi um dos mais afetados: o fechamento dos espaços escolares para conter a disseminação do vírus impôs a professores, alunos e famílias mais um desafio, entre tantos outros que passaram a enfrentar.
Se o impacto de um ano letivo sem atividades presenciais é grande para estudantes de todas as etapas educacionais, tem sido ainda maior para as crianças que estão sendo alfabetizadas – e, se nada for feito para mitigar esse impacto, ele terá consequências no longo prazo.
Quando falo de alfabetização, refiro-me a todo o processo de desenvolvimento de leitura e escrita, que começa já na educação infantil. Nessa fase, é primordial promover experiências com a linguagem oral, que é o primeiro passo para a construção da concepção de língua escrita – com a mediação do educador, o aluno é inserido no mundo da leitura (através da literatura, da contação de histórias, de cantigas e brincadeiras etc.) e desenvolve habilidades iniciais da linguagem escrita (em desenhos e rabiscos e, muitas vezes, usando letras e sílabas). A partir dos 6 anos de idade, quando geralmente entram no ensino fundamental, as crianças passam à alfabetização formal, com práticas pedagógicas agora focadas na aprendizagem da leitura e da escrita.
Em outras palavras: a educação infantil e os anos iniciais do ensino fundamental são etapas de um mesmo processo (alfabetização); em ambas, as crianças precisam de experiências concretas, interações e mediações constantes para aprender. Veja: no desenvolvimento da linguagem oral, a interação é fundamental para aprender a falar, bem como para se conhecer e conhecer o outro. Na aprendizagem da leitura e da escrita, além da interação com o professor e com os colegas, são necessárias práticas sistematizadas de ensino.
Não é difícil entender, então, por que iniciei este artigo chamando a atenção para os impactos do ensino remoto especificamente na aprendizagem da leitura e da escrita. Com poucas interações entre educadores e alunos (e dos alunos com os colegas) e poucas situações concretas de aprendizagem, inevitavelmente houve uma defasagem nessas etapas do processo de alfabetização – além do desgaste físico e emocional gerado em uma criança que, de repente, tem que aprender como se adulta fosse.
Pois bem, essas barreiras educacionais foram impostas a todos os estudantes – em maior ou menor grau, de acordo com a condição familiar e a prontidão da escola – durante a pandemia. Porém, existem crianças que já apresentavam (ou passariam a apresentar) dificuldades de aprendizagem no ensino presencial. É o caso dos alunos com transtornos específicos de aprendizagem, como dislexia e discalculia, condições persistentes que afetam a aprendizagem. Sem a interação presencial, como o professor pode ver que a criança está com dificuldade e oferecer apoios para ajudá-la?
A volta das atividades escolares presenciais deve considerar os impactos sentidos por todos os alunos em 2020, incluindo um modelo eficiente de reforço escolar para atender aos que não tiveram as mesmas possibilidades de estudo. Isso será essencial não só para resgatar o desenvolvimento de habilidades que são base para novos aprendizados, mas também para recuperar o vínculo das crianças com a aprendizagem, reconstruir relações sociais de qualidade com professores e fazer com que se sintam pertencentes ao grupo, tornando o ambiente escolar propício para a aprendizagem. E, como sempre fazemos questão de destacar no Instituto ABCD, identificar alunos com dificuldade de aprendizagem é fundamental. As práticas pedagógicas planejadas para essas crianças podem trazer benefícios para todos em sala de aula.
Por fim, é importante lembrar que os professores não podem percorrer essa jornada sozinhos. Se em 2020 ficou mais evidente a importância da parceria entre família e escola, agora elas precisam, mais do que nunca, trabalhar juntas para atingir um objetivo comum: promover a aprendizagem e evitar que qualquer aluno fique para trás. É fundamental que essa ponte permaneça intacta e fique cada vez mais forte, pois a boa comunicação será o diferencial no processo de acolhimento e readaptação às atividades presenciais.
*Juliana Amorina é diretora presidente do Instituto ABCD
Sobre o Instituto ABCD
O Instituto ABCD é uma instituição sem fins lucrativos, que trabalha desde 2009 para melhorar e desenvolver a vida de pessoas com dislexia e outros transtornos de aprendizagem, com o objetivo de que todos tenham sucesso na escola, no trabalho e na vida.
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