E quando filhos ou filhas, na maioria das vezes as filhas, se tornam os cuidadores de seus pais e mães? Não, não é a mesma coisa que cuidar de crianças
Marcia Dal Prete* Publicado em 18/05/2022, às 10h32
Solteira, sem filhos, beirando os 64 anos e, surpresa: VIREI MÃE!!! Explico: hoje sou responsável pela minha mãe, uma velhinha de 86 anos, com começo de demência e muita limitação para andar devido à artrose. E eu não sou mãe de primeira viagem, não. A maternidade tardia começou em 2006, quando meu pai chegou aos 76 anos.
Quem tem filhos deve pensar: Ah, mas nada se compara aos cuidados que uma mãe tem e sempre terá com seus rebentos. Eu concordo, apesar de nunca ter vivido a experiência da maternidade. Mas pela minha convivência com sobrinhos, percebi que cuidar de crianças te enche de energia. Com nossos velhinhos acontece o contrário.
Pode parecer um comentário preconceituoso e ofensivo. Mas ninguém se preparou pra esse desafio. Quem, com 25, 30 anos imaginou que teria um dia a responsabilidade de cuidar de um idoso? Na juventude eu só pensava em trabalhar, curtir, viajar, namorar. Conquistar minha independência financeira, sexual, emocional, social. A ficha só caiu quando meu pai deu o primeiro sinal de que precisaria de mais do que uma visita nos finais de semana: foi diagnosticado com câncer de próstata.
Foram anos de tratamento, consultas em médicos, choro e desespero . Cheguei a me mudar para a casa dele para ficar mais perto, porque minha mãe – teimosa como uma boa capricorniana - não aceitava contratar um cuidador.
O desespero não era apenas pelo cansaço físico de trabalhar e cuidar dele. O desespero era também por ter que decidir o que seria melhor para ele. Eu, que nunca tinha cuidado de um passarinho, era agora responsável pela vida de outro ser humano.
E é bom lembrar. Nem todos os idosos são sarados, como os que aparecem em capas de revistas. Nem todos são doces, como as vovós das telenovelas. Nem todos são lúcidos, como escritores de romances. Há doenças e limitações. Há teimosia e desespero. Há noites em claro em hospitais. Há brigas e ranços com cuidadores – aqui, faço um parênteses para elogiar o trabalho desses profissionais, que finalmente tive que contratar nos últimos meses de vida de meu pai. Eles me ajudaram com o trabalho físico. E amigos, e minha querida prima Maria Helena, me ajudaram com o emocional.
Aprendi na marra que ser independente é bom. Mas para ser mãe de idoso já tendo ultrapassado o cabo da boa esperança, melhor e fundamental é dividir sua experiência com quem já passou por isso. Você vai saber finalmente que não está só. Que isso não é uma conspiração do destino contra você. É simplesmente a vida se mostrando nua e crua, sem botox e maquiagem. Estamos todos envelhecento, num país que não tem infraestrutura para apoiar essa população mais velha e nem dar suporte aos filhos - também já mais velhos - que se tornaram cuidadores.
*Marcia Dal Prete é jornalista