Olhar para as nossas experiências com atenção como processos da vida é perceber que o sentir muda, transforma-se e passa
Mariana Wechsler* Publicado em 26/03/2022, às 11h28
Quando experimentamos emoções agradáveis nos apegamos a elas, e sentimos medo que elas acabem, ou sofremos quando elas terminam. Quando vivemos emoções desagradáveis, fazemos de tudo para mudar a nossa experiência como se fosse errado sentir o que estamos sentindo.
Combatemos o momento presente porque vivemos em conflito com o nosso sentir. Aprender a ficar onde estamos e a transformar o que nos incomoda, é aprender a acolher todas as emoções com abertura e legitimidade.
“Você é uma mãezona“
Dependendo de quem diz me causa sensações ruins. É como se fosse uma assombração da “boa mãe“.
Remete-me a um lugar de expectativas e cobranças que normalmente é pequeno demais para caber na complexidade de uma mulher e mais ainda de uma mãe.
Vejo mulheres se modelando como massinha para caberem em espaços rotulados com o tão esperado “boa mãe“, mulheres criticando outras mulheres, como se isso falasse de forma determinante sobre o seu valor humano. O valor da maternidade colocado no quanto essa mãe abdicou dela mesma. Quanto mais desconectada de si, maior pontuação no ranking das mães. “Essa sim é uma mãezona“.
Enquanto isso, homens tem o privilégio de dividir suas vidas em departamentos e pasme, um departamento não tem interferência alguma com os demais, família, profissão, relacionamentos, um não interfere no outro. O homem foi criado com o luxo de se permitir o ócio, de se permitir pensar isoladamente as coisas da vida. Em geral, as mulheres são criadas para serem capazes de absorver tudo ao mesmo tempo, difícil existir o ócio na vida da mulher.
A mulher não tem esse privilégio. Não ser uma “boa mãe“ pode nos colocar em um lugar de “má mãe“, daquela que não cuida, que negligência, que não se esforça, que trabalha demais.
Mães se desculpam por serem mulheres, mulheres se desculpam por serem mães, mulheres e mães se desculpam pelos seus corpos, seus cansaços, seus desejos. Se desculpam por não se encaixar, por não se reconhecerem.
“Boa mãe“ é uma imagem pronta, uma lista de regras feita para controlar a livre experiência do maternar, e também uma tentativa de controle dos resultados: se padronizamos comportamentos e valores maternos, padronizamos os filhos e as crianças com alguma margem de erro que vai ser tratada com violência e intolerância, até que se ajuste.
Por tudo isso, descarto o selo da mãezona, tão egocentrado quanto solitário. A busca que me interessa é me entender humana, carne e osso que ama e falha, arrisca, suporta, transborda e faz parte de um todo. E desse lugar, acolhida inteira, mover-me em direção às minhas crianças com respeito e reverência.
As mães ao precisarem se desdobrar para cuidar dos filhos, da casa e do trabalho, carregam um enorme sentimento de culpa. Isso pode ser agravado, ainda, pela questão da desigualdade, na qual a mulher precisa assumir vários papéis no mesmo lar. Mais agravado ainda se vive em constante relacionamento abusivo, desde seus próprios pais ao marido.
Demoramos a descobrir, nesse processo, que mãe é mais do que mãe, é mulher também.
Muitas mulheres querem ser mães e amam a maternidade, mas percebem que com isso ganham e perdem coisas diferentes. Esses imperativos podem levar a grandes ressentimentos.
Também pesam na conta as cobranças da sociedade, insufladas por redes sociais e promessas de que a maternidade é um paraíso. Cada mulher tem uma experiência, algumas odeiam a gestação enquanto outras amam amamentar. Não dá para generalizar o que é ser mulher e nem buscar a utopia da maternidade perfeita.
Existe a idealização de que se pode criar filhos sem traumas. Mas, seres humanos criam seres humanos, e humanos são falhas em série. A beleza da humanidade está na capacidade inerente em todas as pessoas de transformar as falhas em motores para as conquistas. O budismo explica essa capacidade dentro do princípio chamado “hendoku iyako“, pelo qual se entende que qualquer situação negativa (na sua aparência e pela percepção mais primária) pode ser convertida em um novo destino propício a sua felicidade, quando suas intenções estão alinhadas com sua consciência e atitude.
Por isso, nosso papel na parentalidade não é exatamente buscar não falhar. Nosso papel é, na verdade, saber criar um ambiente em que seja possível se tornar uma melhor pessoa sempre, sob qualquer circunstância. Isso é um comportamento treinável, como qualquer outro. Se você praticar para si e treinar seus filhos a entender que “falhas“ e problemas acontecem, que eles fazem parte da vida de todas as pessoas, e também treinar a entender o ambiente de forma menos egocêntrica, você estará desenvolvendo uma inteligência emocional extremamente valiosa.
A dificuldade que temos em sustentar nossas emoções é proporcional à incapacidade de vivermos no momento presente. Isso porque o sofrimento muitas vezes mora num passado (medos, traumas, pré conceitos) ou mora numa expectativa de futuro (ansiedade, achismos). Para aprender a lidar melhor com o que sentimos, é necessário aprender a aceitar o lugar onde estamos agora.
Quando aceitamos o lugar onde nos encontramos, compreendendo-o por todos os ângulos, podemos acessar os recursos necessários para darmos um passo em frente. Mas só podemos dá-lo quando nos enraizamos no aqui e agora.
Essa tomada de consciência foi determinante para o meu próprio processo de maturidade emocional.
Viver com base na ansiedade do futuro ou com a angústia do que já aconteceu é desperdiçar oportunidades de tempo de qualidade, de olho no olho sem compartilharmos a atenção das crianças com o celular. É perder a oportunidade de criar laços afetivos e conexões profundas.
A ausência de respostas afetivas dos pais contribui para que a criança desenvolva uma visão dos outros como indisponíveis, não confiáveis ou até prejudiciais. Isso significa que a qualidade do cuidado recebido nos primeiros anos de existência impacta o desenvolvimento do cérebro, especialmente, a maturação dos sistemas de regulação emocional.
Sobre isso, o budismo ensina que percebemos a vida por meio de 10 Fatores, que se iniciam nas primeiras vias de percepção (olfato, visão, paladar e tato), passando pelas primeiras compreensões e concepções sobre coisas e eventos da vida, aos reflexos no outro e em si de suas posturas baseadas nessas primeiras compreensões, reflexos que são visíveis mas também aqueles que estão fora do seu radar. E dentro desse princípio, a felicidade se alcança quando você consegue ter consistência do início ao fim, desde as suas percepções, como você conceituou sentimentos e entendimentos, e como você aplica essa bagagem na vida pelo bem estar seu e de quem te cerca.
Quando, desde cedo, uma criança recebe uma resposta afetiva que a capacita a enfrentar os desafios da vida, é mais provável que ela aprenda a normalizar as sensações físicas provocadas pelas emoções. Ao mesmo tempo, receber afeto quando se sente inseguro, capacita a criança a lidar de forma proativa e compassiva com os desafios, experimentando confiança em quem se é. Sendo assim, é também a partir do afeto que toda a criança define muitas das estruturas que contribuirão para a formação da sua autoimagem.
Olhar para as nossas experiências como processos da vida é perceber que o sentir muda, transforma-se e passa. Como a alegria e a tristeza. Como o dia e a noite. Como o Inverno e a Primavera.
Para você conseguir integrar a atenção plena na sua vida coloque isso em prática:
Quanto mais aberta e curiosa for com a sua experiência presente - seja ela qual for - mais tolerante e compassivamente será com os seus estados emocionais. Quanto mais atenta a sua verdadeira essência, mais feliz estará.
Seja sempre sua melhor amiga, seja fantástica.
*Mariana Wechsler, Educadora Parental, especialista em educação respeitosa, budista há mais de 34 anos e formada em Comunicação. Mãe de Lara, Anne e Gael. Escreve sobre parentalidade consciente, sobre os desafios da vida com pitadas de ensinamentos budistas e suas experiências morando fora do Brasil, longe de sua rede de apoio. Acredita que as mães precisam aprender a se cuidar e se abraçar, além de receberem apoio e carinho. Sempre diz: “Seja Fantástica! Seja sempre a sua melhor amiga”.
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