Papo de Mãe
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Por que sentimos o direito de julgar a maternidade alheia?

O tribunal da internet reflete com precisão um problema enraizado na sociedade patriarcal: o entendimento de que o maternar de uma mulher é público

Ana Beatriz Gonçalves* Publicado em 08/03/2022, às 13h31

Imagem da influenciadora digital Virginia Fonseca com a filha Maria Alice, de 9 meses - Foto: Instagram/Reprodução
Imagem da influenciadora digital Virginia Fonseca com a filha Maria Alice, de 9 meses - Foto: Instagram/Reprodução

O que é ser uma boa mãe?

Ao consumir notícias de entretenimento me deparei com a necessidade de refletir. Também fui consumida por um sentimento vasto de indignação ao ler comentários como: “A maternidade que a Virginia vive é muito fácil” ou “Vai colocar mais um filho no mundo para babá criar”. Sim, estou falando sobre a influenciadora digital Virginia Fonseca, que acaba de anunciar que será mãe pela segunda vez.

Com apenas 22 anos, Virginia tem mais de 34 milhões de seguidores nas redes sociais e é dona de um sucesso inegável. Ela é casada com o cantor Zé Felipe e os dois são pais da Maria Alice, de 9 meses. Apesar de ambos serem famosos e juntos terem decidido que teriam outro filho, adivinhem só quem foi julgada pela situação? Pasmem: a mãe.

A influenciadora foi chamada de irresponsável e fútil por ter uma rede de apoio ampla e diversa, como se o fato dela ter dinheiro e fazer suas próprias escolhas no âmbito da maternidade a tornasse uma péssima mãe, ou melhor, menos mãe. Apeans por não seguir o antigo conceito moral e patriarcal que associa a imagem materna a uma divindade que ou dedica às 24 horas do dia à cria, ou é guerreira que concilia uma rotina exaustiva de trabalho com a maternidade – aquela romantização básica da jornada dupla e sobrecarga materna.

Há quem pense que julgar ficou fácil por causa das redes sociais, mas a verdade é que sempre foi assim. Estou falando de séculos. As mulheres, especialmente mães, sempre foram julgadas e tidas como corpos públicos. Dar palpites, críticas e expor “erros e acertos” da maternidade alheia é, para grande parte da sociedade, como opinar sobre uma rua esburaca da qual é responsabilidade da prefeitura: eu posso, você pode, todo mundo pode falar sobre, afinal, a rua é pública.

Mas não é assim que funciona, mesmo quando se trata de uma pessoa que compartilha sua vida e rotina com milhões de telespectadores. Nenhuma mulher deve ter sua capacidade materna posta em cheque pelos outros. Sobretudo, essa é uma luta que vai além do caso da Virginia. É algo que engloba todas as mulheres e seus respectivos direitos, estes que não propriedade do Estado e pertence somente a elas.

A influenciadora de fato não cumpre algumas (ou talvez várias) expectativas em torno do que é ser mãe, mas por que isso incomoda tanto? Por que isso é errado?

Acontece que julgar o que é certo e errado, o que é bom ou ruim, é algo que precisa ser repensado, inclusive pelas próprias mulheres que compram o discurso. Não existe e nunca existiu um manual de boas práticas maternas. O que existiu e ainda existe, na verdade, são padrões criados por uma sociedade patriarcal vista pela ótica dos interesses econômicos, sociais e religiosos.

A exemplo de que Virginia não está só, outro caso recente foi o da Luana Piovani. A atriz foi criticada por recusar assinar um contrato com a rede Globo e foi chamada de hipócrita por não ceder o direito de imagem dos três filhos à emissora.

Ainda que exponha a vida particular nas redes sociais, Piovani julgou como desnecessário submeter os filhos a um contrato de TV, segundo ela, duradouro. A atriz disse estar fazendo o seu papel como mãe, e realmente, o fez, da sua maneira com os seus ideais.

Luana Piovani e os seus filhos
Luana Piovani com os seus três filhos (Foto: Instagram/Reprodução)

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Mas é claro que isso não bastou para o tribunal da internet parar de apontar dedos e atacar pedras em mais uma mãe. A direção é sempre a mesma e pouco se vê um pai sendo protagonista de discussões como essas.

Infelizmente, a mulher ainda é alvo fácil de uma sociedade que custa a aprender a respeitar as escolhas e os direitos das mães, sejam elas milionárias, famosas, bem-sucedidas, em vulnerabilidade econômica ou social, divorciadas, casadas, por aí vai. A lista é enorme e “democrática”.

Se você expõe o filho nas redes, é irresponsável. Se não expõe, é chata ou hipócrita. Se deixa sob cuidados de babá, é ausente. Se não deixa, tá reclamando que está exausta por quê? Vai procurar ajuda, oras!

É como se nunca fosse o bastante para ser uma boa mãe.

*Ana Beatriz Gonçalves é jornalista e repórter de entretenimento e comportamento com passagens pela Folha de S. Paulo, CARAS Brasil e atualmente GQ Brasil. Graduada em jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero e co-autora do livro reportagem “Travessias Maternas”, um projeto experimental que traz histórias de mulheres. 

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