Um apelo a todas as lideranças e pessoas: não deixem de falar com as mães! Um recado da consultoria Filhos no Currículo
Camila Antunes* Publicado em 08/05/2022, às 06h00
Meu nome é Camila Antunes, tenho 38 anos, sou mãe da Bel e do João e, em 2018, fora do mercado de trabalho e com um desejo grande de mudar alguns vieses que permeiam o assunto de maternidade e carreira , eu fundei com minha socia Michelle Terni (também mãe de dois) a Filhos no Currículo, uma consultoria focada em criar ambientes corporativos cada vez mais acolhedores para pais e mães através de eventos de sensibilização, trilhas de conteúdo corporativo e criação de programas de parentalidade mais efetivos nas empresas. De lá pra cá, observamos muita coisa se transformar. De repente passamos por uma pandemia que até hoje está mudado a maneira que gestores e liderados enxergam os formatos de trabalho.
A Filhos no Currículo é uma parceira da parentalidade nas organizações (já tendo auxiliado mais de 300 empresas que estão comprometidas a revisar suas culturas internas e se moldarem em ambientes mais pró-família) e desde sempre prioriza um olhar plural para um diálogo que dá protagonismo não só para as mães, mas pais, líderes, colegas de profissionais com filhos, e qualquer tipo de colaborador que seja um cuidador. Mas nesse Dia das Mães eu venho fazer um apelo a todas as lideranças e pessoas num geral: não deixem de falar com as mães!
Eu sei que muitos outros personagens são importantes quando o assunto é filhos. Eu perdi minha mãe aos 4 anos, e desde então a presença parental do meu pai é a protagonista na minha vida, juntamente a minha madrasta. Mesmo assim, esse dia sempre era a coisa mais incômoda para mim. E não por conta da data em si, mas porque a gente não falava sobre as nossas emoções. Minha família não se permitia mencionar minha mãe. Não falamos do luto, não falamos da dor, da ausência, portanto, não aprendemos a celebrar a presença da minha mãe na sua ausência. Porque a verdade é que ela sempre foi presente. Minha mãe morreu e eu falo dela todos os dias da minha vida. Então hoje, sendo uma especialista dentro desse ramo, eu penso que não é mais sustentável nós termos um incômodo, e simplesmente não falar sobre o incômodo a fim de resolvê-lo dentro de nós. Para resolver, é preciso encarar.
Acompanhando meus filhos e os conteúdos que assistem, me peguei pensando no último fenômeno da Pixar, o filme Encanto, que emplacou o grande sucesso da música “Não Falamos do Bruno”. Aquele assunto que é delicado e ninguém quer mencionar para não causar situações constrangedoras nos ambientes. Então eu gostaria de deixar essa provocação para todas as mães, pais e filhos: precisamos falar do Bruno sim! E nesse caso, significa dar voz às dores específicas que só as mães carregam, mesmo que em paralelo estejamos em um esforço coletivo para incluir cada vez mais os pais e outros cuidadores dentro das corresponsabilidades da família. Existe dia para tudo no calendário de um ano. Dia da árvore, do amigo, das profissões, então não precisamos “acabar com todos os dias” ou englobar tudo em um “dia da família”. Eu fui por muitos anos a pessoa que queria que o dia das mães acabasse, porque doía em mim, porque eu cresci sem mãe. E ao mesmo tempo existem famílias sem pai, famílias sem ambos. Mas existe espaço para conversarmos sobre todos os assuntos e cuidar de cada individualidade.
Voltando agora para o âmbito da carreira, onde atuamos com mais força, essa lógica também é aplicável quando pensamos nas iniciativas que vem sendo desenvolvidas dentro das corporações. Nós temos vários produtos oferecidos pensando na dor e dificuldade de todo tipo de família, desenhamos diversos programas de parentalidade, mas ainda é comum recebermos resistência das empresas em abraçarem projetos ou trilhas de conteúdo que sejam voltadas só para as mães. É comum ouvirmos coisas como “é muito legal, adoramos, maravilhoso, mas a gente quer falar com a família. Quer falar com todo mundo”. Podemos e devemos definitivamente envolver todo mundo, mas se tentarmos só cuidar da dor de todo mundo, não cuidamos da dor de ninguém. Sei que hoje existe mãe de pet, mãe de planta, e todo tipo de sentimento legítimo de vínculo afetivo, mas o conceito que chamamos de Economia do Cuidado, é muito mais profundo e estrutural, e essa responsabilidade do cuidado ainda é esperada apenas das mulheres e mães.
Eu pedi demissão grávida, eu fiquei sozinha e me senti perdida. Aí de repente descubro que essa dor não era só minha, 48% das mulheres saem do mercado de trabalho após terem filhos (segundo dados da FGV - 2018), e então começo a querer mudar algo nessa realidade.
Recentemente lançamos o resultado de um estudo inédito chamado “Mapeando um ambiente pró-família nas organizações”, onde avaliamos a experiência de mães/pais, liderança e colegas de profissionais com filhos em suas empresas, a fim de investigar o entendimento do conceito de um ambiente acolhedor para colaboradores com filhos, e o dado mais evidente foi o quanto as mães são mais críticas ao olharem para a sua satisfação no ambiente de trabalho. O levantamento indica que 90% dos homens acreditam que a empresa na qual trabalham é um “bom lugar para as mães trabalharem”. Os líderes também em sua maioria (83%) acreditam que isso seja verdade. Mas quando a mesma pergunta é feita para essas mulheres, o índice cai para 68%.
A mãe está menos satisfeita, a mãe está mais cansada, a mãe é a primeira a pedir para sair ou ser desligada por motivos que envolvem a maternidade, a mãe que é questionada na entrevista, é a mãe que passa pelos preconceitos. Nesse nosso recente estudo, 4 em cada 10 entrevistadas disseram ter apresentado insegurança para dar a notícia da gestação e cuidar de suas necessidades físicas e emocionais nesse período. Em relação à licença maternidade e retorno ao trabalho, sustentar a amamentação nesse retorno foi considerada a maior preocupação para 50% dessas mães. Então as dores maiores acontecem com elas, e precisam ser tratadas com um cuidado especial dentro das suas equipes.
Quando não temos a onde externar nossas questões e quando não temos um espaço seguro para discutir soluções, estaremos sempre nos cobrando em silêncio para mostrar mais serviço e dedicação do que todos os outros colegas, correndo o risco de ficar cada vez mais ausente emocionalmente para nossos filhos, ou pior, sentindo que no equilíbrio de todas as nossas funções, não existe espaço para crescermos na carreira sem deixar o prato da maternidade cair, entrando assim para a estatística da saída do mercado.
Um conceito que buscamos sempre trazer para o diálogo, é a isonomia. Criar isonomia é dar tratamentos diferentes, para que as pessoas fiquem iguais. Como aquele quadrinho que mostra que tem um banquinho, um tijolo, ou uma pilha maior de vários itens, para que 3 pessoas de estaturas diferentes possam alcançar o muro e enxergar do outro lado.
Então estou aqui para te dizer, neste dia das mães, que é possível sim conciliar carreira e filhos, que é possível sim trazer mais isonomia para essa conversa incluindo os pais e os puxando para uma maior divisão de tarefas e responsabilidades, que tiram um pouco o peso das nossas costas, e permitem que a gente obtenha resultados mais efetivos no que escolhermos fazer. Filhos são potências na nossa vida, e nos trazem habilidades e recursos que apenas alavancam o nosso potencial profissional, então não tenham medo de exigir melhores benefícios, mais acolhimento, mais olhar empático, e sim, um dia todo só para nós, que ainda somos a parte primordial que faz rodar a engrenagem da vida, através da formação de seres que vão desenhar um futuro mais igualitário.
*Camila Antunes é cofundadora da Filhos no Currículo, advogada, e especialista em parentalidade e inteligência emocional, ajudando mães e pais a serem presentes em suas vidas e na de seus filhos.
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