Entenda como funciona o pagamento de pensão alimentícia e em que casos o devedor vai preso. O advogado Douglas Ribas Jr. explica
Douglas Ribas Jr.* Publicado em 20/11/2021, às 07h00
Foi notícia recente em diversos jornais e portais a decretação da prisão de famoso cantor por não pagar pensão alimentícia. Os argumentos do cantor geraram inúmeros comentários nas redes sociais, em sua defesa, demonstrando inconformismo com o fato de que sua filha tem 20 anos de idade, foi criada por outra pessoa que lhe deu o sobrenome, ele e a filha sequer conviveram e, somado a isso, ele sustenta que é honesto, cumpridor da Justiça e provará que tem razão.
Longe de mim fazer qualquer julgamento, tampouco defesa, seja em prol do cantor, ou da sua filha. No entanto, como o tema é espinhoso e guarda uma série de ‘pegadinhas’, espero que esse artigo ajude a elucidar um pouco a situação, possibilitando que você, leitor, tire suas próprias conclusões.
De início, pontuo que esse artigo aborda exclusivamente a cobrança de pensão alimentícia por parte de filhos juntos aos pais. Além disso, importante aclarar que quanto ao rito processual, isto é, o procedimento que a ação judicial pode seguir, há duas modalidades de cobrança da pensão alimentícia. Ambas partem do pressuposto de que houve a fixação da pensão alimentícia através de uma decisão judicial anterior (sentença) ou de um acordo entre as partes, ainda que extrajudicial, porém, homologado por um Juiz de Direito. Significa dizer que acordos realizados verbalmente ou sem a homologação do Poder Judiciário não são passíveis de cobrança em juízo. Tais situações demandam o ajuizamento de uma ação para que, primeiramente seja reconhecido o direito à pensão alimentícia, fixado seu valor e só então, se possa partir para a cobrança.
Pois bem, retomando as duas formas de cobrança da pensão alimentícia, em uma delas, onde se admite a prisão civil do devedor (e por conta disso, na prática, se mostra bastante eficaz), a cobrança se limita aos últimos 03 meses da pensão em atraso. O devedor terá 03 dias após citado para realizar o pagamento, provar que o fez, ou justificar a impossibilidade de fazê-lo, sob pena de prisão civil de 30 a 90 dias.
Já o outro caminho para a cobrança não contempla pedido de prisão, sendo, portanto, desprovido da poderosa ferramenta de pressão e convencimento que é o risco do devedor ver-se privado da sua liberdade. Por outro lado, permite que todo o montante atrasado seja cobrado, sem limitação de valor e tempo, desde que menor de idade o alimentando (aquele a quem se destina a pensão).
Voltando ao caso do famoso cantor, levando-se em conta que houve prisão decretada, fica fácil concluir que a opção da filha foi pela cobrança por meio do procedimento que prevê a prisão, limitando a cobrança ao período de 03 meses das parcelas atrasadas.
A lei não prevê o requisito de que o alimentando (quem recebe a pensão) tenha o sobrenome do genitor ou deva ter convivido com o alimentante (quem paga a pensão), portanto, ainda que jamais tenham compartilhado a companhia um do outro, o dever de pagar pensão alimentícia subsiste.
Recentemente enfrentamos essa questão através de artigo publicado no blog do escritório. O assunto é regido pela Súmula 358, do Superior Tribunal de Justiça, que dispõe: “o cancelamento de pensão alimentícia de filho que atingiu a maioridade está sujeito à decisão judicial, mediante contraditório, ainda que nos próprios autos”.
Na prática, considerando que os pais têm o dever de dar assistência, criar e educar os filhos e estes, por sua vez, o direito de exigir alimentos que garantam não só sua sobrevivência, mas sua educação e seu pleno desenvolvimento, há consenso que se o filho estiver estudando, cabe ao pai manter o pagamento da pensão alimentícia até que o filho cole grau ou complete 24 anos de idade.
Ademais, excepcionalmente, ainda que o filho maior não estude, nem trabalhe, quando demonstrada situação de incapacidade ou de indigência não proposital do alimentando, a obrigação de pagar pensão alimentícia poderá se manter por algum tempo, com o único propósito de que lhe seja provida a subsistência, na mesma linha da hipótese tratada abaixo.
Ora, rege a questão da pensão alimentícia o binômio “necessidade x capacidade”. Deve-se considerar a necessidade de quem recebe ou postula alimentos e a capacidade de quem paga ou é demandado a pagar pensão alimentícia. Aliás, fato é que tenho como objetivo levar informação de qualidade, com linguagem simples, no entanto, não posso me furtar à boa técnica. E segundo a doutrina mais atual, em vez de um binômio, há um trinômio: necessidade de quem recebe x capacidade de quem paga x proporcionalidade (razoabilidade) na fixação entre as necessidades do alimentando e os recursos do alimentante, merecendo que a equação de cada situação seja resolvida individualmente, evitando-se cobrança além da necessidade do credor, ainda que seja o devedor pessoa abastada. Afastando-se, também, que o devedor tenha que fazer sacrifício para honrar o pagamento da pensão alimentícia, acaso o credor tenha suas necessidades primárias já atendidas.
Dito isso, na hipótese de filho com deficiência, ao completar a maioridade, cada caso vai comportar solução de acordo com a limitação que o alimentando apresentar, observando-se a capacidade financeira do alimentante.
Caso o filho mantiver sua independência e estiver inserido no mercado de trabalho, vivendo de forma financeira e economicamente autônoma, não há necessidade da continuidade do pagamento de pensão alimentícia, tal como se tratasse de pessoa sem deficiência ou limitação.
O inverso se mostra verdadeiro, pois, mesmo adulto e empregado, se não guardar sua independência e o alimentante for capaz, será atendido o trinômio “necessidade x capacidade x proporcionalidade”. Nesse caso, a pensão será devida enquanto se verificar a existência do aludido trinômio.
Por fim, algumas particularidades adicionais para se ter em mente:
Enquanto menor de idade, os alimentos atrasados a que faz jus o alimentando não prescrevem. Isso porque não corre a prescrição entre ascendentes e descendentes durante o poder familiar, que se extingue com a maioridade (arts. 197, II e 1.630 do Código Civil).
Para os filhos maiores de idade, prescreve em 02 anos o direito de cobrar a pensão alimentícia já estabelecida em sentença ou acordo (art. 206, §2º do Código Civil).
Como se pode ver, o assunto não é simples e a análise de cada caso concreto deve ser feita por advogado especializado, providência essencial para a formação de um juízo de valor do que se mostra ético, legal e justo.
*Douglas Ribas Jr. é graduado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) em 1993 e pós-graduado em Direito Processual Civil pela mesma instituição. Cursou Program of Instruction for Lawyers na University of California - Davis. Reconhecido entre os mais admirados advogados de 2015 e 2019 pelo anuário Análise Advocacia, atua em contencioso e consultoria, especialmente nas áreas do Direito Civil, Consumidor, Comercial, Contratos, Imobiliário, Trabalho e Societário.