Roberta Manreza Publicado em 15/06/2020, às 00h00 - Atualizado às 13h47
Estamos vivendo um momento muito atípico. É natural que preocupações que antes pareciam distantes apareçam de repente na nossa frente. Como ficarão os nossos filhos se algo nos acontecer? Posso fazer um testamento em plena pandemia? Como ninguém sabe o dia de amanhã, pensar com prudência e responsabilidade se torna fundamental no atual cenário.
Clarissa Meyer*
Seja milionária ou de apenas um único bem, a disputa por herança pode dividir uma família de uma forma nunca antes imaginada. Exemplos não faltam na mídia ou até mesmo próximos de nós. Por isso, o ideal é que, ainda em vida, a pessoa pense a respeito e escolha de que forma gostaria que seus bens fossem transferidos aos seus herdeiros. Esse planejamento deve ser encarado com naturalidade, como parte da responsabilidade de quem tem um patrimônio e se preocupa com a harmonia familiar.
Existem várias ferramentas que podemos utilizar numa sucessão planejada. Mas neste artigo, especificamente, vamos falar do testamento, que é algo acessível, qualquer pessoa acima de 16 anos pode fazer, e tem sido cada vez mais utilizado, inclusive neste momento de pandemia.
Como fazer um testamento em época de pandemia?
Testamento nada mais é que a disposição de última vontade da pessoa. Neste documento, além de seus bens materiais, a pessoa também pode dispor sobre outros assuntos. É comum, por exemplo, que em um testamento se faça o reconhecimento de filhos, disposições sobre tratamento médico, escolhas sobre tipo de funeral, doação de órgãos, nomeação de tutor/curador para administrar bens de menores, entre outros.
A lei estabelece uma série de requisitos para o testamento, sob pena de nulidade. Normalmente, o testamento requer o comparecimento perante o tabelião e assinatura de testemunhas. Acontece que tudo isso parece um tanto impraticável em tempos de isolamento social, mas é justamente esse o ponto.
Embora não exista uma previsão legal que trate sobre pandemias, o Código Civil Brasileiro prevê no art. 1.879 que “em circunstâncias excepcionais declaradas na cédula, o testamento particular de próprio punho e assinado pelo testador, sem testemunhas, poderá ser confirmado, a critério do juiz”, ou seja, temos na lei uma previsão de testamento excepcional, que pode ser aplicada neste momento, sem necessidade de deslocamento ou interação social.
Em linhas gerais, o documento precisa estar redigido sem rasuras, conter data, número de páginas, rubrica em todas elas e assinatura ao final. Deve fazer menção detalhada ao isolamento social (justificativa para o testamento excepcional) e a situação que o testador se encontra (se é do grupo de risco e encontra-se em isolamento domiciliar, se está doente, hospitalizado, ou acometido de qualquer situação que o impeça de fazer o testamento ordinário).
Neste documento, além de identificação do testador, disposições claras com a mais completa descrição dos bens e das pessoas que pretenda beneficiar, é importante também a indicação de um responsável (testamenteiro), que fará a apresentação do documento a um juiz competente, no caso do falecimento do testador.
Passado este período de quarentena, caso o testador não venha a falecer, é importante que este providencie a mudança do testamento para uma das formas ordinárias previstas em lei (Testamento Público, Cerrado ou Particular), a fim de convalidar (ou alterar) as suas disposições e garantir sua validade jurídica em tempos normais.
Importa lembrar que é sempre recomendável a consulta a um advogado especialista para o esclarecimento de dúvidas que porventura surjam e para formulação adequada do documento em questão.
*Clarissa Meyer é consultora e editora jurídica, mediadora familiar e advogada. Contato: [email protected]
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