A colunista Ariela Doctors fala sobre a alimentação que pode fazer mal para a saúde e nos traz uma receita saudável de biscoitos
Ariela Doctors* Publicado em 30/06/2021, às 11h36
Desde que nos conhecemos como humanos, sabemos que a alimentação é uma questão de sobrevivência. Hoje em dia sabemos também que foi por meio da alimentação que desenvolvemos nosso cérebro e, consequentemente, nossa espécie. Mas, para além de sobrevivência e desenvolvimento, a alimentação é fonte de muito prazer.
A Indústria de alimentos, pactuando desta última premissa de que alimentação é fonte de prazer, beneficia-se do que é chamado pela ciência de hiperpalatabilidade. No livro “Sal, açúcar, gordura”, de Michael Moss, podemos compreender que a busca pelo chamado “ponto de êxtase” é essencial no processo de fabricação de ultraprocessados. São explorados sabores extremamente agradáveis ao paladar do consumidor e, com isso, a ingestão dos alimentos são, intencionalmente, exageradas.
Estudos científicos indicam como os ultraprocessados podem ser potencialmente viciantes, com efeitos sobre mecanismos neuronais. Além deste, outros impactos do consumo de alimentos ultraprocessados em nossa saúde tem evidências científicas. O ganho de peso e adiposidade, levando a possíveis quadros de obesidade; um maior risco de desenvolvimento de diabetes do tipo 2; 29% mais risco de desenvolver doença cardiovascular; riscos de 21 à 23% maior de desenvolver hipertensão; aumentos no colesterol total e LDL em crianças da idade pré-escolar à idade escolar; além de associação a quadros de depressão e maior probabilidade de desenvolvimento de câncer.
Gyorgy Scrinis, em seu livro Nutricionismo, define alimentos ultraprocessados como alimentos degradados. Achei esse termo extremamente pertinente, já que esse produtos são fabricados à partir de técnicas que destroem a matriz alimentar (matéria-prima) e retiram a água dos alimentos, afetando os sistemas controladores de saciedade no organismo. Além disso, são acrescidos de mais açúcares, sal e gorduras que alimentos minimamente processados e aditivados com espessantes, corantes e adoçantes artificiais.
O consumo de ultraprocessados implica também em efeitos sobre o Planeta. Não é difícil perceber o impacto dessa escolha alimentar no aumento do uso de embalagens e resíduos sólidos e das emissões de gases de efeito estufa, além da perda crescente em nossa biodiversidade. Para a fabricação desses alimentos, são utilizadas poucas espécies vegetais, como a soja, o trigo, o milho e a cana-de-açúcar. Não por coincidência, estes insumos fazem parte de sistemas agrícolas baseados em monoculturas de alta produtividade, que exigem grandes extensões de terra, um alto consumo de água e combustíveis fósseis, o uso de semente transgênicas, fertilizantes químicos, agrotóxicos, antibióticos, além do transporte por longas distâncias.
Infelizmente, a oferta de ultraprocessados é muito maior do que a oferta de alimentos frescos, a um custo menor, prometendo “praticidade” e cativando crianças por meio de propagandas que relacionam o alimento a personagens e heróis do imaginário infantil.
Acredito que o primeiro ponto seja nos conscientizarmos das nossas escolhas. Observar nossas opções de compra, conversar com a família, amigos e vizinhos sobre a importância e impactos do que comemos e consumimos.
Como cidadãos, podemos cobrar políticas públicas que promovam boas escolhas, de modo que a publicidade infantil relacionada aos alimentos seja proibida; seja adotada uma rotulagem mais eficaz para desencorajar a compra de alimentos ultraprocessados e transgênicos; haja uma restrição para vendas de ultraprocessados e refrigerantes em ambientes escolares, bem como a aquisição de alimentos por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e ocorra o aumento da tributação para produtos ultraprocessados.
Como familiares, podemos estimular o consumo de comida de verdade e fresca em detrimento ao consumo de ultraprocessados. Isso pode ser feito por meio do afeto, do prazer, da memória e da ancestralidade. Cozinhar com as crianças, conversar sobre a procedência dos alimentos, trazer receitas antigas preparadas por familiares e contar histórias de seus antepassados, agregam valor e importância a comida e a comensalidade, além de criar um vínculo forte e sadio entre a criança e o alimento. Incentivar a alimentação da família em conjunto, sem televisões ou celulares
interagindo, num local calmo e agradável, com uma mesa posta de forma especial também empregam valores importantes na memória infantil.
Que tal nessas férias começar um livro de receitas com seus filhos? Aqui vai uma receita para sua coleção familiar!
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Fontes:
● Documento DIÁLOGO SOBRE ULTRAPROCESSADOS: SOLUÇÕES PARA SISTEMAS ALIMENTARES SAUDÁVEIS E SUSTENTÁVEIS, produzido por NUPENS - USP e Cátedra Josué de Castro
● Livro Nutricionismo, de Gyorgy Scrinis
*Ariela Doctors é chef, comunicadora e mãe