Seja qual for a realidade econômica que essa criança esteja inserida é certo que haverá um aumento considerável do estresse ao longo da quarentena
Miguel Angelo Boarati* Publicado em 18/03/2020, às 00h00 - Atualizado às 16h55
Olá pessoal,
Gostaríamos de agradecer a contribuição do psiquiatra infantil Miguel Angelo Boarati, que sempre colabora com o Papo de Mãe. Ele atendeu a nossa solicitação que escrevesse um texto sobre esse período de quarentena que as famílias brasileiras estão passando. Quais as consequências dos efeitos do coronavírus para as nossas crianças?
Dr. Boarati, muito obrigada!
Equipe Papo de Mãe.
Segue o texto exclusivo:
A pandemia do COVID-19 provocou uma mudança radical e súbita na vida das pessoas em todo o mundo. Os impactos econômicos, políticos, sociais e emocionais são imprevisíveis até o momento. A rápida disseminação, tornando os mais vulneráveis susceptíveis a evoluções mais graves e até fatais exigiu medidas igualmente drásticas.
O Brasil nessa semana viu de uma hora para outra sua rotina mudar. Pessoas não conseguem trabalhar, projetos e viagens tiveram que ser adiados ou canceladas definitivamente e os prejuízos de diferentes ordens são incalculáveis. Tudo mudou e em muito pouco tempo.
As crianças da maioria das cidades brasileiras tiveram suas aulas presenciais suspensas e diferentemente de um período de férias ou de greve dos professores, essas crianças terão que ficar o tempo todo em casa, sem contato com amigos e sem poder participar de atividades de lazer, além de terem que realizar as atividades pedagógicas à distância (algumas on-line, outras com trabalhos).
Seja qual for a realidade econômica que essa criança esteja inserida é certo que haverá um aumento considerável do estresse. Por dias os irmãos ficarão juntos sem atividade externa, sem poderem praticar esporte ou passear e com isso brigarão mais do que de costume. Terão que se ater a eletrônicos e atividades escolares. Algumas vezes os pais estarão juntos para administrarem essa situação, outras vezes não, pois muitas pessoas trabalharão fora de casa, principalmente profissionais de serviços essenciais como segurança, saúde, limpeza e transporte.
Não é possível dimensionar o impacto emocional que essa situação, principalmente se ela perdurar por muito tempo, causará às crianças. Não houve tempo para o planejamento das medidas a serem adotadas nesse período.
É possível que as crianças comecem a demonstrar medo e insegurança com o futuro, sendo que algumas poderão apresentar sintomas de ansiedade e depressão. Outras, pela ociosidade e necessidade de atividades motoras, passem a apresentar comportamentos disruptivos, irritação e agressividade. Em quaisquer uma dessas situações é fundamental que ações planejadas sejam adotadas pelos adultos que estiverem responsáveis por essas crianças. Tentar organizar sua rotina, com horário para acordar, fazer as refeições e as atividades, escolares, de higiene e sono são essenciais.
Durante as férias as crianças ficam liberadas para fazerem o que bem entendem. Acordam, dormem e comem na hora que querem. É importante ressaltar que essa é uma situação de exceção e não férias. A ausência de rotina desorganiza a criança, tornando-a mais susceptível a se descompensar. Ficar em casa sem atividade é muito ruim. Então é importante que as crianças colaborem com a arrumação do espaço onde estão, ajudando (dentro de suas capacidades, obviamente) na manutenção da organização e limpeza da casa. Isso ajuda indiretamente na organização interna das crianças, pois um ambiente sujo e bagunçado aumenta a sensação de caos.
Outro ponto importante é estimular outras atividades que há muito tempo têm sido negligenciadas como atividades de leitura, jogos de tabuleiro e a conversa entre os membros da família. Isso aproximará as pessoas e aliviará a tensão que acontecerá ao longo dos dias e semanas.
Essas são algumas das muitas medidas que precisaremos adotar para os próximos tempos. É importante que redescubramos novas formas de nos relacionarmos em família para que as crianças e também os adultos possam passar esse período de quarentena imposto pela infecção do COVID-19 com o menor impacto emocional possível.
*Dr. Miguel Angelo Boarati é médico psiquiatra da infância e adolescência, formado pela Faculdade de Medicina da USP – Ribeirão Preto e com especialização em Psiquiatria da Infância e Adolescência pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Atuou como supervisor de médicos residentes em Psiquiatria da Infância e Adolescência de 2006 a 2016 no Instituto de Psiquiatria do HCFMUSP e atualmente é médico Colaborador do Programa de Transtornos Afetivos na Infância e Adolescência (PRATA) do IPq-HCFMUSP. É autor de vários livros e capítulos na área de Psiquiatria da Infância e Adolescência e temas gerais em Psiquiatria, como dependência química, sexualidade, psiquiatria forense e transtornos do humor.