Papo de Mãe

A terceira gata

Roberta Manreza Publicado em 04/12/2016, às 00h00 - Atualizado às 10h54

Imagem A terceira gata
4 de dezembro de 2016


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Por José Ruy Gandra*, jornalista e palestrante

Um bom mascote pode ajudar bastante o seu filho na transição para a vida adulta

Tão inesperadamente quanto reaparecera de seu sumiço inaugural, Pretinha, nossa segunda gata preta, deu nas patas novamente. Mas dessa vez não houve volta nem final feliz. Certa noite ela evaporou pelos telhados da vizinhança. Nunca mais a vimos. Vi nos olhinhos de Pedro a esperança pouco a pouco dar lugar a uma resignação contrariada. Crianças e adolescentes levam um bocado a sério as perdas de mascotes. Adultos também, embora menos. Mas, quando isso rola, machuca. Por isso, juramos que, dali em diante, mais nenhuma gata entraria pela porta de nossa casa.

Sustentamos firmemente nossa posição. Por uma semana. Na seguinte, deixamos exultantes uma feirinha de pets, com nossa terceira gata preta no colo. Como a Copa do Mundo da África do Sul estava começando, a batizamos de Vuvuzela… Tomamos, no entanto, uma decisão. A de criá-la dentro de casa. Bichana mesmo… Nem ao quintal vai.

Acabamos esculpindo uma criatura muito singular. Bipolar como qualquer felino, ela é predominantemente dócil. Mas, obviamente não perdeu sua natureza selvagem. Adora dar botes nas meias brancas que Pedro calça enquanto anda pela casa. Deve achá-las camundongos gigantes.

A gata já é a nova loucura de nosso rapazinho. E um retrato bem acabado de seu momento na vida. Prestes a completar 15 anos, Pedro parece crescer a cada minuto. As transformações em sua figura são intensas e velocíssimas. O corpo estica feito um pé de milho bem irrigado. Pelos subitamente transformam as pernas em carpetes.

O filho, por esses dias, começa a pedir, primeiro, que lhe faça a barba e, depois, o seu aparelho e a sua loção após barba emprestados. Espinhas espoucam. A voz fica cada dia mais grossa. Os banhos, mais demorados. Música e esporte se transformam em paixões. Olhares envaidecidos diante do espelho. Uma confiança crescente. As meninas estão sempre por perto ou passam a ser o assunto nas conversas. Em suma: Pedro cumpre atualmente todos os ritos iniciais de passagem para o mundo adulto. Por outro lado, é ainda um menino.

Esse é um momento delicado na vida de um filho. Costumo ajudá-lo a posicionar-se nessa ponte estreita com a seguinte comparação. Ao terminar o ginásio, ele é o maior dos menores. Com o colégio que se aproxima, no entanto, ele passará a ser o menor dos maiores. Isso faz uma diferença incrível na vida de um moleque. As referências mudam novamente.

A competitividade começa a se insinuar na rotina. É como se, de repente, Pedro tivesse de reconstruir os alicerces da própria confiança. Graças a Deus, ele dá mostras de estar preparado para essa travessia. Melhor ainda: parece se tornar mais independente sem ficar chato. Sem perder sua doçura moleca.

Algo me diz que Vuvuzela tem algo a ver com esse seu equilíbrio saudável. Animais são criaturas com as quais, mesmo sem dizer uma palavra, compartilhamos nossos afetos mais genuínos e profundos. Eles não se importam com a nossa falta de jeito pré-adolescente. Nem com a nossa barriga ou celulite, mais adiante na vida.

Criada entre quatro paredes, Vuvuzela acabou assumindo vários papéis em nosso lar. É uma espécie de mobília ambulante que, a cada hora, enfeita um canto diferente da casa com sua pelugem negra. É uma companhia e tanto. Adoro jogar tampinhas de garrafas plásticas escada abaixo para que ela, no melhor estilo canino, as traga de volta, na boca. Às vezes seu lado selvagem aflora. Ela então se empoleira numa das janelas e emite grunhidos impressionantes diante da visão de algum pássaro lá fora.

Como Pedro, Vuvuzela parece dividida entre dois mundos. O seu próprio e aquele em que os outros pedem que ela viva de outra maneira. A adolescência é exatamente um primeiro ajuste entre essas duas realidades. Entre o que somos e aquilo que esperam de nós. É, digamos, a primeira injeção de seriedade em nossas vidas. E, miseravelmente, a primeira batida de asas na vida de um filho. Pedro ensaia seu mergulho inaugural na vida.

Sua mãe e eu sabemos muito bem que, daqui em diante, ele estará cada vez menos presente em nossas rotinas. Que, com grande probabilidade, se tornará mais sério e menos ingênuo. Sua meninice, em suma, está por um fio. Breve será só saudade. Enquanto essa mudança não se consuma, Geni e eu nos confortamos com sua visão enquanto acaricia inocentemente a gata.

Tanto Pedro quanto Vuvú ouvem, fascinados, os chamados da vida lá fora. Pedro logo os atenderá. Vuvuzela, não. Ela fica. Pelo menos enquanto sua alma felina consentir.

*José Ruy Gandra, jornalista e palestrante, é autor do livro Coração de Pai – Histórias sobre a arte de criar filhos. Bem mais que isso, é pai de Paulo (in memoriam) e de Pedro e avô de Rodrigo (5 anos).  Participou dos programas “Papo de Pai” e “Sogras”. Contato: [email protected]

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