Roberta Manreza Publicado em 27/10/2016, às 00h00
A preocupação dos pais com a formação política dos filhos deveria, pelo menos em tese, estar na ordem do dia para cada família
Por Paulo Silvino*, sociólogo e professor da FESPSP
Quase que instintivamente sempre achamos culpados para os problemas da sociedade de modo geral. Sejam problemas sociais, econômicos, políticos, enfim, de toda sorte e de toda natureza, estão sempre na conta dos outros. “Ah, estes políticos”… “ah, este pessoal do governo”…, “ah, estes prestadores de serviço”…. “ah, esta empresa”…. Essas são apenas algumas das expressões que sempre soltamos quando identificamos os culpados. É como se nós, pessoas ilibadas, sempre corretas, honestas, altruístas, caridosas, gente do “bem” como preferem alguns mais afeitos às classificações de cunho maniqueísta (pois daí lembram que existe gente do “mal”), entre tantos outros adjetivos que quase nos beatificam, sempre estivéssemos olhando os acontecimentos históricos e que nos rodeiam como quem assiste à um filme no cinema: à distância, embora as cenas ocorram aos nossos olhos. Afinal, ser e pensar assim garante pelo menos duas sensações que nos parecem boas: a primeira, de que somos capazes de enxergar melhor as coisas que os outros, pois nossa astúcia vem de uma bondade plena, intrínseca à cada um de nós, que dispensa quaisquer ações mais direta na realidade; a segunda, tem a ver com um alívio em poder constatar para si e para os outros que aquilo que acontece de ruim não tem nada que ver com a gente, ao contrário, nos faz vítimas das maldades alheias. Porém, eis a má notícia: sim, somos todos responsáveis direta ou indiretamente pelos problemas que nos cercam cotidianamente, e não admitir isso é estar confortavelmente quentinho embaixo do cobertor da omissão. Mas a omissão não se faz clara e transparente, aliás, muitas vezes, ao “concluirmos não ter nada a fazer para mudar o país” é visto como a coisa “mais certa a ser feita”. Contraditório isso? Por incrível que pareça, tem sido mais lógico do que pensamos na cabeça das pessoas e, diga-se de passagem, tal conclusão não tem classe social. Temos pensado assim.
As consequências de nossa alienação quanto à esta condição de omissos são incontáveis, mas talvez dentre elas tenha uma que seja absurdamente grave e, ao mesmo tempo, absurdamente esquecida: a forma como os filhos são educados para a cidadania. Nenhum pai educa seus filhos a não ser convicto de que aquilo que faz assim o faz para o bem dele. Dos cuidados materiais aos imateriais – e, neste caso, refiro-me a preocupação com a felicidade, com as formas de evitar o sofrimento, com a preocupação em incutir “bons valores”, o que não falta é vontade de acertar, de fazer melhor do que se teve quando se era criança e se estava no meio de um processo educacional sendo ali seu alvo, de ser um pai melhor do que o cunhado, o irmão, o amigo, a melhor mãe do mundo. O problema é que no afã de se fazer o melhor, acabamos por criar certezas, métodos de educação, e mecanismos de ensino que, não necessariamente, estão preparando as crianças e os jovens para o mundo, para a vida em sociedade. Ao contrário, podemos estar, ainda que inconscientemente, reiterando nosso jeito omisso de ser. Eis o ponto: a reprodução da visão que sempre aponta o certo e o errado, mas que nada diz sobre o que você, enquanto pessoa, indivíduo, cidadão, deve fazer.
Um dos aspectos que, de certo modo, melhor ilustraria o que aqui se tenta discutir, é o modo como as famílias tem ou não falado sobre política entre os seus. Façamos uma autoavaliação: temos tratado da atual conjuntura do país com os nossos (filhos e pais) e em casa? Sabemos o que eles pensam sobre a política da nossa cidade? No momento das eleições, falamos sobre isso com eles? Na condição de mãe ou de pai e, portanto, no exercício de uma certa autoridade em casa, temos respeitado a opinião diferente dos filhos ou imposto uma certa visão? Estas são algumas das perguntas que podem ajudar a evidenciar a natureza da consciência política, da valorização que se tem sobre ela, e até que ponto não se preocupar com a educação e a formação política dos filhos (ou da família, como um todo) não é mais um evidente sinal da omissão que acorrenta à muitos.
Contudo, aqui é preciso que se faça uma importante observação: ultimamente, alguns mais incautos, ou mesmo, mal-intencionados, têm confundido educação e formação política com doutrinação política. Educar e formar os jovens politicamente não é – repito, e quero frisar, não é!!!! – dizer qual a ideologia ou partidos devem ser seguidos. Educar e formar jovens do ponto de vista da política é permitir que, ao se tornarem maduros, após terem formado senso crítico e reflexivo, possam, por eles mesmos fazer suas escolhas. O que precisa ser estimulado nos jovens é a sensibilidade quanto aos problemas que se colocam no dia a dia de todos: do mal funcionamento do Estado, passando pelos casos de corrupção, até mesmo em relação as fobias generalizadas, ao machismo, ao racismo, entre outras questões. O problema é que o conforto da omissão não permite que os próprios adultos, muitas vezes, reconheçam tais problemas o que, consequentemente, afeta a forma com a qual se buscará (ou não) promover este senso crítico, a educação e a formação política dos jovens.
Também é preciso dizer que não apenas o que aqui se chamou de omissão é a força motriz da deseducação dos jovens. A forma como alguns reiteram uma visão de mundo (e a replicam na educação de seus filhos) na qual se naturaliza as diferenças entre as pessoas, entre os gêneros, entre as classes, enfim, pode ser muito danosa não apenas para aquela criança ou jovem que está sendo formada, mas para a sociedade. O preconceituoso não nasceu com a opinião que tem, mas foi educado por sua convivência social, pela consciência coletiva da qual partiu sua consciência individual como pessoa, e assim naturalizou as fobias. Do mesmo modo, assim são naturalizadas as diferenças em relação aos papéis sociais e as expectativas que se tem de cada um deles. Nada mais simbólico, neste sentido, do que escolas que querem formar princesas. De que modo estas escolas de fato estariam contribuindo para e educação e formação política das meninas, mulheres adultas de amanhã, preparando-as para enfrentar um mundo no qual o feminicídio – resultado direto de uma sociedade misógina, machista e violenta – não pode ser apagado pela varinha de condão da fada madrinha? Do mesmo modo, como os pais permitem aos filhos compreenderem que torcer para o time do coração não é a mesma lógica da política? Política não faz dentro de uma lógica dualista entre bem e o mal, entre petralhas e coxinhas, como quem grita no estádio contra a outra torcida. Afinal, a passionalidade que tem norteado os debates é nociva à verdadeira prática política do debate das ideias. Em um programa na TV, um dos intelectuais mais respeitados do Brasil, Leandro Karnal, lembrou como atualmente o que se vive é um tempo de intolerância em que nenhum dos lados aceita a opinião alheia, não mostra capacidade de diálogo, e não admite, portanto, que haveria sim muitas formas de se explicar o Brasil. Isso talvez seja resultado de algumas gerações que não foram educadas para o debate, para discutir o que parece contraditório, para falar sobre aquilo com o que não se sentem identificados sem se exaltarem ou violentarem (física ou verbalmente) o interlocutor. As redes sociais seriam a prova material destes tempos difíceis de deseducação política.
As manifestações na rua, a filiação partidária, o pertencimento à um movimento político qualquer, enfim, são ações fundamentais para construirmos um país mais digno para todos. Porém, engana-se quem acredita serem estas as únicas formas de fazer política. Faz-se política educando os filhos quanto a importância dela. Afinal, em que pese os constantes escândalos e mal feitos de inúmeros partidos e governos, estamos ou não na sociedade? Estamos ou não na pólis, como assim os gregos, pioneiros na prática democrática, chamavam a cidade? Ao abdicarmos do direito político estamos afrontando à democracia e, ao reproduzirmos isso para os filhos, prejudicamos o futuro político do país. A preocupação dos pais com a formação política dos filhos deveria, pelo menos em tese, estar na ordem do dia para cada família. Os pais têm responsabilidade sob esta formação do jovem, pois isso implica diretamente na sua formação como cidadão. Portanto, criar um filho é também um ato político, do qual não se pode omitir.
*Paulo Silvino é sociólogo e professor da FESPSP- Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Formado em Ciências Sociais pela UNICAMP. Tem Mestrado em Sociologia pela UNESP e Doutorado, também em Sociologia, pela UNICAMP. Paulo Silvino é ainda consultor na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Participou como especialista convidado dos Programas “Filho criado trabalho dobrado“, “Pais com profissões femininas” e “Homens donos de casa“.
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