Mariana Luz, da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, fala sobre o movimento #tanahoradaescola
Mariana Luz* Publicado em 13/08/2021, às 07h00
Se você está aqui no Papo de Mãe, lendo este artigo, é porque você, assim como eu, tem crianças por perto. Seja você tio, tia, avô, padrasto, mãe, pai, professor ou pediatra, a criança e seu bem-estar está na sua esfera de interesse. Escrevo este artigo para que nós, juntos, possamos refletir sobre a importância de reabrir as escolas para nossas crianças. Essa é a forma de garantir direitos como educação, desenvolvimento, proteção e o bem-estar presente dos nossos pequenos e também de combater desigualdades que podem ser perpetuadas com a pandemia.
O meu ponto de partida para esse chamado é a ciência. Pesquisas feitas em mais de 20 países mostram que a volta às aulas, com a adoção dos protocolos de segurança que já conhecemos – uso adequado de boas máscaras, álcool em gel, distanciamento – não agrava os índices de contaminação. Para muitas crianças, o ambiente escolar controlado é mais seguro do ponto de vista do contágio do que o local onde vivem ou ficam enquanto estão fora da escola.
É também a ciência que vem mostrando nas últimas décadas que os primeiros anos de vida são cruciais para o desenvolvimento das capacidades emocionais e intelectuais do ser humano. E que esse extraordinário desenvolvimento inicial está intimamente vinculado ao potencial de todos os anos subsequentes: uma boa primeira infância, rica em interações positivas, é o primeiro passo para uma educação de qualidade em todas as etapas da jornada de aprendizado.
A escola é o local que garante, cotidianamente, o acesso das crianças a estímulos adequados, de troca e aprendizagem constantes e dentro de parâmetros apropriados, sem excessos. Nossas crianças, no Brasil, estão sendo privadas desse ambiente desde o início da pandemia, que já soma mais de 500 dias.
Pais e professores percebem retrocessos no desenvolvimento infantil. Nós, da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, apoiamos duas pesquisas concluídas recentemente que corroboram esses dados e, ao mesmo tempo, nos alarmam.
Um estudo realizado pela equipe da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) em duas cidades brasileiras coletou dados de cerca de 4800 crianças matriculadas em escolas públicas e privadas. Na percepção de mais de 70% dos professores na pesquisa, houve impacto negativo no desenvolvimento da expressão oral, corporal, no relacionamento interpessoal e até na nutrição das crianças durante o isolamento.
Outro levantamento, feito pela consultoria Kantar em janeiro de 2021, com 1036 cuidadores de crianças de 0 a 3 anos, mostra que para 27% dos cuidadores a criança apresentou algum tipo de regressão em seu comportamento durante o isolamento. Isso ocorreu devido à falta de interação com outras pessoas, à própria insegurança dos cuidadores e à mudança repentina de rotina.
As perdas que o isolamento traz para o desenvolvimento infantil nos preocupa como responsáveis e também como cidadãos. Todo esse tempo de isolamento, longe da escola, tem o potencial de aumentar as desigualdades sociais por gerações.
O risco de retrocesso existe se os cuidadores e o ambiente onde a criança está em isolamento não tiverem condições de propiciar espaços e oportunidades de troca e interações saudáveis, que são a chave de ignição do cérebro infantil para manter seu ritmo de desenvolvimento. Sabemos, por evidências, que é nos lares mais vulneráveis que essa falta de estímulo pode ocorrer. As razões para isso são muitas. Uma das mais comuns é a sobrecarga dos cuidadores que, sem o apoio da escola, se veem sozinhos para trabalhar, cuidar da casa e das crianças.
Muitas delas precisam ficar sozinhas ou com irmãos pouco mais velhos, que fazem o papel de tutores quando ainda precisariam ser tutelados. Outras, são deixadas em arranjos precários com vizinhos que podem ser tão ou mais sobrecarregados em casa do que a mãe que saiu para trabalhar e pediu essa ajuda. Em todos esses cenários, a criança pode estar protegida fisicamente, sob um teto, mas não conta com o ambiente e os estímulos que ajudarão no seu desenvolvimento.
O médio e longo prazo, o impacto que essa situação poderá trazer é um cenário em que as crianças que estavam fora da escola em ambientes inapropriados terão dificuldades cumulativas no desempenho escolar e no desenvolvimento socioemocional em comparação com as demais. As mais pobres nessa situação terão ainda menos chance de seguir uma trajetória escolar que as ajude a ter acesso a melhores escolas, a melhores empregos e a boas oportunidades de forma geral.
A pesquisa da Kantar trouxe ainda outro dado importante: o alto percentual de famílias que não tinham a intenção de mandar as crianças para a escola, na fase em que foram entrevistados – há alguns meses – por receio da pandemia. Naquele momento, a vacinação ainda não tinha avançado entre os professores e adultos mais velhos como ocorre agora. Ainda assim, sabemos que para muitos pais e mães, o receio persiste.
É compreensível. Se esse for o seu caso ou o de alguém que você conheça, meu pedido é que, juntos, ampliemos o diálogo em benefício de todos, principalmente as crianças. A informação é a melhor arma contra o medo. Aproxime-se da escola, conheça o que está sendo feito, exponha as suas dúvidas. É a partir desses questionamentos e da participação que conseguiremos construir rotinas mais seguras para todos.
O retorno com segurança não deve ser responsabilidade só da escola, do governo ou do professor. Esse é um compromisso que tem de ser compartilhado com todos e construído em parceria com a família e a comunidade. Convivência não é – e não pode ser – sinônimo de contágio.
Além da proteção integral e o acesso à educação ser um direito da criança que deve ser protegido, devemos defender a reabertura das escolas também para combater o risco de perpetuar um ciclo cruel de desigualdades de oportunidades para os mais vulneráveis. Precisamos nos unir para permitir que todos e todas tenham a possibilidade de escolha pela escola aberta, segura, e bem planejada. Está nas minhas mãos e nas suas também tornar esse retorno possível. Vamos juntos. Tá na hora da escola!
*Mariana Luz é CEO da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal e mãe do Arthur, de 4 anos