Papo de Mãe

“Queremos as escolas reabertas e com segurança para todos”, diz coletivo Política é a Mãe

Mariana Kotscho Publicado em 09/12/2020, às 00h00 - Atualizado às 12h48

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9 de dezembro de 2020


Política é a mãe: “Escola é serviço essencial e deve estar aberta”

*Por Política é a Mãe (POEMA) – opinião

A pandemia está longe de terminar. Segundo cientistas e especialistas nós precisamos nos preparar para conviver com o vírus por mais tempo do que imaginávamos. A imunização coletiva através da vacina não será uma solução de curto prazo. Infelizmente nossos problemas não desaparecerão em 01 de janeiro de 2021. A realidade está posta. Como vamos lidar com ela?

Sabemos que o fechamento das escolas poupou muitas vidas e que foi uma medida importante no começo da pandemia. Sabemos também que não existe consenso sobre o papel da criança na transmissão comunitária, apesar de muitos estudos demonstrarem que elas são menos importantes que os adultos na disseminação.

Entendemos que a reabertura das escolas precisa ser feita quando há uma conjunção de fatores como baixa transmissão comunitária; protocolos para identificar e bloquear surtos, adaptação do ambiente escolar para cumprimento das medidas de higiene e distanciamento físico, bem como o cuidado com as professoras e funcionárias.

Mas isso não é o suficiente. A pandemia aprofundou desigualdades sociais e de acesso, trouxe à tona privilégios e falhas estruturais no sistema educacional. A vida de antes não existe mais. Não iremos retornar a um suposto “normal”. É a hora de reinventar. Que tal começarmos uma conversa sobre o que é a ESCOLA? Para o que ela serve? O que ela precisa mudar? O que cada um pode fazer? O que o Estado deve garantir? E, principalmente, COMO iremos retornar à escola?

O Política é a Mãe trará o nosso olhar: de mulheres mães, cuidadoras e defensoras de uma educação pública de qualidade e de mulheres que sabem do seu poder político. Também trazemos o olhar das crianças. Somos duas partes de uma conversa que inclui professores, os gestores públicos e quem mais quiser fazer parte.

Não queremos a reabertura das escolas a qualquer custo: mas tivemos 9 meses para nos adaptarmos a uma nova realidade e nada foi feito. Agora, mais do que nunca, precisamos da união de todas e todos para cuidar das nossas crianças. Vamos juntos?

PARA O QUE SERVE UMA ESCOLA

Os dados mais recentes (2019) mostram que 80% da Educação Básica (da creche ao Ensino Médio) acontece em escolas públicas, sejam elas municipais, estaduais ou federais. São quase 39 milhões de crianças e adolescentes. Apenas 20% dos estudantes estão em escolas privadas em todo Brasil (9 milhões). O dado se repete nos docentes: 80% dos professores estão alocados em escolas públicas.

São milhões de crianças e adolescentes em áreas urbanas, rurais, territórios indígenas, quilombos que são atendidas pelo Poder Público. Em todos esses locais a escola não é apenas um espaço de aprendizado de conteúdo.

A escola significa comida e muitas vezes a única refeição do dia. A escola significa rede de acolhimento e mediação de conflitos. Muitos casos de abuso, violência sexual e/ou física, abandono, trabalho infantil, casamento infantil, negligência de vulnerável são encaminhados por intervenção da escola, que pode ser o único local onde há um adulto de confiança. A escola também significa socialização, troca entre pares, espaço lúdico, de estabilidade emocional e de afeto. A escola também é onde crianças e famílias aprendem sobre higiene, técnicas adequadas de lavagem das mãos e como lidar com situações que quebram a rotina.

A escola não é só conteúdo. Em um país tão desigual ESCOLA É SERVIÇO ESSENCIAL. Não apenas pelo direito de acesso à educação.

Sendo um serviço essencial que garante direitos básicos como alimentação, segurança física e afetiva, acolhimento, educação, COMO podemos pensar em resolver essa questão?

O fechamento da escola por mais de 8 meses aprofundou desigualdades, gerou insegurança alimentar, tornou crianças e adolescentes ainda mais vulneráveis à violências diversas e negligência. Isso também é uma questão de saúde e prioritária.

Sem contar os efeitos desproporcionais nas crianças que já enfrentam barreiras à educação ou que são marginalizadas por vários motivos – incluindo meninas, pessoas com deficiência, pessoas afetadas por sua localização, situação familiar e outras desigualdades.

A constituição federal diz ser responsabilidade do Estado, da Sociedade e da Família garantir o acesso à educação, dignidade e saúde integral de crianças e adolescentes. Precisamos adotar estratégias de reabertura que levem em conta a complexidade do assunto e que não fique restrito ao debate entre ABRE/FECHA. Precisamos territorializar, entender quais são as condições de cada região, as necessidades das famílias, o status sanitário local. A decisão não pode ser uniforme. Mas ela precisa acontecer.

Uma decisão que cuide da saúde de professores/funcionários, mas que leve em conta que por 9 meses as mães (principais cuidadoras) se tornaram as únicas responsáveis de um dever que é COMPARTILHADO entre Estado, Sociedade e Família. E, principalmente, que tenha em sua centralidade as crianças e adolescentes. Eles são os mais vulneráveis.

EDUCAÇÃO REMOTA

Manter as escolas fechadas fisicamente desde o início da pandemia, há quase 8 meses, aprofundou ainda mais as desigualdades de acesso à educação de qualidade no Brasil. As escolas particulares, que representam 20% do total de estudantes do Ensino Básico (da creche ao Ensino Médio), logo retomaram as aulas, de forma remota, com o uso da tecnologia.

Sabemos que esse processo não foi fácil e sem tropeços. A adaptação dos professores, o aprendizado de novas linguagens, formas de interagir e de educar, a pressão pela performance, o cansaço do uso excessivo de telas. Para os alunos têm sido exaustivo. Não são poucos os relatos de depressão, de perda de interesse e muitos outros problemas decorrentes das aulas online.

E os outros 80% dos estudantes? A massa de alunos do Brasil está em escolas públicas e vivendo em realidades diversas. Sem nenhuma política de articulação que tenha vindo do MEC para enfrentar a crise, cada município, cada escola teve que criar sua solução. E o ensino remoto passou a ser uma realidade em boa parte da rede pública.

Segundo o IPEA, em 2018, quase 6 milhões de crianças e adolescentes em fase de escolarização obrigatória não dispunham de acesso domiciliar à internet. Muitos daqueles que têm acesso à internet não possuem celular, computador para que possam acessar ao conteúdo, assistir às aulas ou realizar as atividades.

Há casos em que os responsáveis precisaram retornar ao trabalho físico e as crianças estão sendo deixadas em casas de cuidadoras, sozinhas ou com os avós. Sem nenhum mediador para auxiliá-las no aprendizado. Há relatos de mães que não conseguem ir às escolas nem para retirar os materiais que são impressos e entregues às famílias que não têm internet.

E mesmo nos casos em que as crianças têm acesso à internet e a um equipamento no qual possa realizar as atividades escolares, é preciso compreender que há outras barreiras. Por exemplo sabemos que o ensino remoto não é recomendado na etapa inicial para educação infantil, não estando inclusive previsto na legislação educacional por ser inadequado nesta fase.

Na prática, ao manter o ensino remoto, estamos excluindo boa parte das crianças e adolescentes do acesso à educação, um dos direitos mais básicos.

QUESTÃO DE GÊNERO

As mulheres cuidam. Em todo mundo as mulheres e as meninas são responsáveis por 75% de todo o cuidado não remunerado e representam dois terços da força de trabalho envolvida em atividades de cuidado remuneradas. Não é uma coincidência que profissões consideradas “femininas” como enfermagem, cuidadoras profissionais, professoras, são tão desvalorizadas e mal remuneradas. Cuidar não tem valor de mercado.

Mas é o cuidado que sustenta a sociedade como a conhecemos. Todo adulto foi cuidado, alimentado, protegido, educado. E na maior parte do tempo essas funções foram exercidas por mulheres.

Desde o início da pandemia está claro que são as mulheres que mais estão sofrendo. Os dados são tristes. Desemprego maior entre mulheres (7 milhões saíram do mercado de trabalho desde março), retrocedemos 30 anos em participação feminina no trabalho formal. Apenas metade das mães com filhos pequenos está empregada.

A sobrecarga de trabalho doméstico + trabalho formal + ser responsável por mediar a educação dos filhos é uma conta que não fecha. Sem poder contar com a Sociedade e nem com o Estado na responsabilidade compartilhada de educar e cuidar das crianças, a mulher paga a conta sozinha.

As professoras também sofrem. No Brasil dos 2,2 milhões de docentes, 80% são mulheres. Muitas delas também são mães. Essas mulheres também viram o seu mundo mudar completamente. E é delas que se cobra inovação, performance, arriscar a vida em nome da reabertura das escolas.

Acreditamos que é injusto e cruel colocar mulheres mães e professoras como se estivessem em trincheiras separadas quando se fala em retorno das aulas e/ou reabertura das escolas. Estamos todas exaustas, sobrecarregadas, doentes. E esperam de nós a solução para esse problema que são milhões de crianças fora das escolas.

REPENSAR A ESCOLA

Entendemos que a reabertura das escolas precisa levar em conta alguns princípios básicos:

  • status sanitário da região (baixo nível de transmissão social);
  • fechamento de serviços não essenciais (shoppings, bares) para diminuir a circulação de pessoas na cidade;
  • situação de vulnerabilidade das famílias atendidas pela escola;
  • a não sobrecarga do trabalho das educadoras (aulas online + presenciais);
  • a readequação do uso dos espaços escolares: é impensável retornarmos para o esquema de mais de 30/40 alunos em uma única sala, por mais de 5 horas diárias.
  • identificar trabalhadores/educadoras de grupo de risco ou que vivam com pessoas de grupo de risco e afastar do trabalho com remuneração;
  • articulação das secretarias de saúde, assistência social e de educação para um trabalho em conjunto que vise priorizar o atendimento às crianças e suas famílias;
  • saneamento básico e fornecimento de água potável para todas as escolas;
  • protocolos de manuseio de alimentos e de entrega dos alimentos para as crianças;
  • utilização de recursos como Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) para adquirir produtos de proteção pessoal, higiene e limpeza;
  • organizar fluxo de entrada/saída e de transporte escolar;
  • retorno não-obrigatório sem prejuízo para o ano letivo;
  • protocolos prontos para o caso de um novo lockdown: redistribuição dos valores da merenda escolar para as famílias; continuação do vínculo com a escola; etc.
  • pensar localmente: cada escola ter liberdade de construir seu protocolo, seguindo orientações oficiais e sendo amparada financeiramente e tecnicamente pelo órgãos responsáveis.

Propomos o uso das áreas mais amplas da escola: quadras, áreas verdes, refeitório para as aulas. Já está comprovado que a contaminação é baixíssima em áreas ao ar livre ou bem ventiladas. Propomos que o Estado ofereça alternativas para as famílias que precisam de apoio por muitas horas com as crianças. Propomos que a saúde mental e física das crianças estejam acima do conteúdo e da economia. Propomos que as professoras e funcionárias das redes de ensino sejam consideradas prioridades no calendário de vacinação.

Nós, do Política é a Mãe, queremos as escolas reabertas.

*Política é a Mãe é um coletivo em movimento de mães que entendem o seu papel político e potência de transformação. Falam sobre política, feminismo, maternidades, infâncias e cuidado. Acreditam que a maternidade é múltipla e diversa.




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