Você sabe o que significa masculinidade tóxica e a importância disso ser combatido diariamente?
Gabriela Sabino* Publicado em 16/03/2022, às 06h00
Dois momentos chamaram atenção das mulheres nas redes sociais. O primeiro e mais problemático: as falas misóginas do deputado Arthur do Val ao se referir às mulheres ucranianas, insinuando que elas seriam "fáceis porque são pobres"; e o segundo, que talvez você não tenha visto: o caso do estudante de psicologia João Luiz Marques, que deliberadamente plagiou o trabalho da pesquisadora Valeska Zanello.
Talvez você esteja pensando que não é justo colocar os dois no mesmo saco, afinal um trata de exploração sexual e o outro do apagamento intelectual que homens fazem, e sempre fizeram, com mulheres.
Eu concordo. Não podemos olhar para essas duas situações, extremamente diferentes, e puni-las na mesma intensidade. Porém, podemos olhar com uma perspectiva única: a masculinidade tóxica.
As falas nojentas do parlamentar, mais conhecido hoje como "aquele que limparia determinadas partes do corpo de mulheres ucranianas depois de elas terem realizado suas necessidades fisiológicas", escancaram quem ele é e o que ele pensa de verdade sobre as mulheres. O mais absurdo da história não é somente a hipersexualização das mulheres ucranianas, o racismo nos mínimos detalhes, o fato de que existe um "tour de blonde", ou tour pelas loiras, que ele diz querer participar com seu colega do MBL Renan Santos.
O mais absurdo é a tremenda falta de empatia com mulheres que estão em situação de refúgio, sem dinheiro nenhum, e suscetíveis a tudo. De acordo com Anne Firth Murray, professora no Curso de International Women's Health and Human Rights, de Stanford, em seu livro "Outrage to Corage", as mulheres experienciam a guerra de maneira mais intensa e desastrosa porque, entre várias consequências, sofrem com a violência de gênero, principalmente com estupros, não à toa eles sempre foram usados como armas de guerra.
A frase "elas são fáceis por que elas são pobres" demonstra uma ausência de empatia e uma guinada à prostituição compulsória, como muitos chamam o estupro pago. O que o representante em questão sugere? Que há pessoas pagando para ucranianas fazerem sexo, pois elas são pobres e precisam urgentemente de dinheiro para sair do país que está sendo bombardeado noite e dia? Ele pagaria por isso?
Tratando da saúde sexual e reprodutiva de mulheres que terão que infelizmente se submeter a isto, o que podemos esperar são filhos indesejados de estupros pagos ou não, aumento de ISTs e HIV, morte materna decorrente de abortos, mutilação genital feminina com intenção de prevenir abusos e, acredite em mim, esta é uma prática muito comum em territórios de conflitos, sem falar nos problemas psicológicos e mentais nas vítimas.
É um problemão, que o próprio deputado justifica como um erro, pois estava feliz de ter saído da guerra e na empolgação contou para os brothers do futebol. Quem nunca falou de mulher para os amigos do futebol, não é?
Aí entra a masculinidade tóxica. Uma pessoa que acabou de sair de uma zona de guerra, que viu famílias sendo separadas, pessoas no frio sofrendo, não tinha nada melhor para falar do que querer se mostrar o maioral?
A masculinidade, quando tóxica, é tão brutal que Arthur do Val nem chorou com a guerra, apenas se excitou. Ou pelo menos diz ter ficado excitado, porque em uma roda de homens vale bem mais a pena dizer que é o garanhão até na guerra do que dizer que chorou vendo mulheres sozinhas tentando sobreviver. A masculinidade age no impulso, que é o assédio e a violência, mas também no subconsciente, na necessidade gigante de se manter superior. E é aí que você cria homens como o youtuber: frágeis, infantis, machistas, inconsequentes e minúsculos.
Essa masculinidade que acha ser superior a todas as regras de convivência até mesmo de uma sala da 5ª série é a mesma masculinidade que circunda o estudante João Luiz Marques. Para eles não há consequências, há só um erro ou arrependimento se alguém descobrir - e, para o nosso bem, descobriram.
Não tinha como a pesquisadora Zanello não flagrar no pulo, afinal o texto que foi plagiado pelo estudante é um trabalho de 25 anos de dedicação da autora, que é pesquisadora e psicóloga. São duas décadas de pesquisas roubadas por um estudante que usa o feminismo para autopromoção e não possui nenhuma responsabilidade com autoras femininas.
Em suas redes sociais, com mais de 200 mil seguidores, João traz temas sobre a toxicidade de alguns homens e sobre como a masculinidade é uma construção social. Porém, usa o trabalho de mulheres para abordar o tema sem dar o devido crédito, e, para piorar, bloqueia a autora nas redes sociais e todas as pessoas que venham a contestar sua “autoria”. Quer exemplo mais prático de como a masculinidade tóxica se comporta?
Ou seja, no fim, estamos todas falando sobre ela, a masculinidade tóxica, mas não como uma forma de isentar comportamentos misóginos e inadequados, e sim como uma forma de dar nome a raiz dos nossos problemas, ou pelo menos parte deles. Boa parte dos problemas que afligem as mulheres vêm de comportamentos machistas sustentados pela lógica social de que homens se comportam de tal maneira e não há como mudar isto. Mas não vamos ficar quietas, nem tolerar mais. Não há motivo para que a gente aceite este tipo de comportamento, seja na política ou na academia.
*Gabriela Sabino, Diretora de Relações Institucionais da Portuguesa