Buscamos entender o motivo pelo qual cuidar da saúde integral dos profissionais da educação é tão importante em tempos não só de pandemia
Ana Beatriz Gonçalves* Publicado em 23/06/2021, às 07h00
Profissionais da área de educação são, na maioria das vezes, tidos como super-heróis. Não que apresentar conhecimentos e o mundo para crianças e adolescentes seja uma tarefa simples, porque de fato não é. Requer tempo, paciência, atenção e sobretudo, empatia. A profissão é sim extremamente importante e infelizmente pouco valorizada no Brasil. No entanto, eles não são seres de outro mundo, mas sim humanos - com sentimentos e emoções. Humanizá-los pode ser um primeiro passo para valorizá-los, não só no discurso, mas, na prática.
É isso que a doutora e mestra em educação Mariana Arantes acredita. E para tirar a ideia do papel, ela encontrou uma forma de falar diretamente com professores e profissionais da área sobre um assunto importante: educação emocional, o que ela define como "processo de aprendizagem de emoções próprias e com as das outras pessoas".
"Parece simples e óbvio até, mas não é. Acontece que a nossa geração não aprendeu a lidar com o que sente, nem a geração dos nossos pais, avós, e por aí vai. Ao contrário, se você parar para pensar, você vai se lembrar de frases como: 'A emoção atrapalha a razão'. Crescemos acreditando que somos capazes de controlar as emoções, mas não somos", conta Mariana, que é idealizadora do Portal Educação Emocional.
Todo ser vivo sente emoções, ora boas, ora ruins. Mas como elas interferem na nossa forma de enxergar o mundo, ou melhor, o que elas têm a dizer sobre a nossa maneira de se relacionar com outras pessoas? A pesquisadora em saúde mental conta que, historicamente, o raciocínio lógico sempre foi supervalorizado, mas a realidade é que ele não pode ser separado das emoções.
"Não conseguimos tirá-las das nossas vidas. Não somos seres que apenas pensam, nós sentimos. E como vamos lidar com isso é a questão principal que trago na plataforma. Sempre a partir de uma perspectiva que desenvolva a nossa inteligência emocional, já que é um processo, não uma fórmula mágica. Demora um tempo, igual a aprender a ler, escrever, fazer contas", explica.
Para a professora Márcia Rejane, de 43 anos, e mãe do Adriano, de 7, a descoberta da educação emocional foi uma virada de chave na sua vida. Isso porque a professora universitária descobriu um câncer de mama em 2020, no meio da pandemia e também das aulas à distância. A professora de Administração e Gestão, passou por uma cirurgia, 12 quimioterapias e 16 radioterapias.
"Aprendi que não é possível controlar as emoções, mas que é preciso equilibrar. Além disso, aprendi como as emoções interferem na comunicação e na linguagem corporal. O curso de alfabetização emocional foi muito importante, especialmente no momento da pandemia", conta Márcia, que enfrentou uma batalha pessoal e profissional, e sentiu na pele como as emoções são partes cruciais da vida.
Foi no final de 2018 que Mariana Arantes começou a se aprofundar na educação emocional. E para compartilhar as descobertas que encontrou sobre o tema, ela decidiu criar uma plataforma completamente digital. "Eu comecei a estudar cientificamente sobre as relações humanas nas escolas, e percebi o quanto elas interferem na qualidade da aprendizagem", diz a CEO.
Para exemplificar a importância dos cuidados relacionados à saúde mental dos profissionais, Mariana explica, por exemplo, em um caso de bullying. "O professor é um multiplicador, certo? E a escola é feita de pessoas. Claro que a infraestrutura é importante, mas o que faz uma escola viva são as pessoas. Sem os professores não têm estudantes. Se o professor não estiver saudável, como é que ele vai ajudar o aluno a se desenvolver na sua integralidade? Se ele já está adoecido, com esgotamento mental e físico, se falta ao trabalho por conta de trastorno de ansiedade e depressão, como ele vai garantir a educação dos alunos?", questiona. "Não, ele não vai garantir".
No caso de alunos que sofrem bullying ou problemas em casa, os sinais aparecem dentro das salas de aula – pensando em um contexto não-pandêmico. Mariana Arantes diz que para os profissionais que lecionam perceberem tal demanda, eles precisam estar atentos, e também com a saúde em dia. Caso contrário, tais sinais podem passar despercebidos. "A escola é um ambiente de desenvolvimento integral. Se a gente não cuida integralmente de quem faz a escola, fica muito difícil", completa.
Marta Milene Gomes de Araújo, de 37 anos, professora de inglês do Ensino Médio, leciona há 15 anos, mas foi apenas no ano passado que ela mergulhou na educação emocional – apesar de ser algo que sempre a atraiu atenção. "Esse tema me interessou inicialmente por conta de experiências muito difíceis vivenciadas na escola onde trabalho, com crises de ansiedade entre outros problemas constantes relacionados à saúde mental dos estudantes de Ensino Médio. Eles e elas costumavam me procurar bastante antes da pandemia em momentos de angústia e crise, o que continua acontecendo durante as aulas remotas", comenta.
Apaixonada pela profissão, Marta procurou entender como seu papel de educadora poderia se expandir, e sobretudo, ajudar seus alunos. "A riqueza que encontro em sala de aula não encontro em nenhum outro lugar e por isso eu me sinto muito grata. Com os cursos disponibilizados pelo Portal, aprendi bastante e consegui auxiliar estudantes que, em decorrência do isolamento imposto pela pandemia, me procuram pedindo ajuda através de WhatsApp."
O ensino remoto provocado pela crise sanitária que afligiu o Brasil e o mundo desde março de 2020, também trouxe outra discussão para Mariana Arantes, que já vinha falando sobre a educação emocional dos profissionais de educação. Segundo ela, os professores estiveram e ainda estão atuando na linha de frente, só que com uma diferença: em suas casas.
"Eles não ficaram em casa assistindo um filme e comendo pipoca. Muito pelo contrário, eles tiveram que desenvolver a tecnologia, reorganizar a rotina, lidar com as desigualdades sociais, fazendo das tripas coração, como diz o ditado, para ir resgatar o aluno que não tem estrutura" comenta.
No caso de Márcia, que recebeu o diagnóstico de câncer, ela precisou se ausentar nesse período para cuidar da sua saúde. "Voltei a dar aula só nesse ano. Estava sem coragem de aparecer, estava sem cabelo, sem cílios, sem sobrancelha", compartilha.
Já para Marta, que se manteve ativa durante todo o período de ensino remoto, a educação emocional a ajudou a lidar com as diversas instabilidades e crises consequentes da pandemia. "Com isso, reconheci finalmente a importância da educação emocional em regime integral, levando em consideração a integralidade de todos os seres envolvidos na educação: estudantes, familiares, docentes e demais membros da comunidade escolar", afirma.
E em consequência desse entendimento, especialmente pelo momento em que o mundo enfrenta, Marta sente que também foi impactada, e pode aprimorar suas habilidades socioemocionais de maneira bastante acolhedora.
Enxergando através da ótica da educação emocional, é fácil entendermos que os profissionais de educação precisam de amparo e apoio psicológico. Não só os desafios impostos pela pandemia, mas também por conta de todo um sistema que reafirma com desigualdades e a necessidade de promover uma qualidade de vida positiva para tais profissionais, que carregam o fardo de ensinar e educar.
"A saúde mental de todo mundo é um tema necessário para todo mundo que quer uma qualidade de vida melhor. E a qualidade de vida não é aposentadoria que dá para ir acumulando e usar só no fim da vida. Isso implica no hoje, em saber viver bem o presente, equilibrando as várias esferas da vida", ressalta a criadora do Portal Educação Emocional.
Entender que o professor precisa de respaldos e promover o cuidado à sua integralidade, é um primeiro passo para valorizar a profissão. Ainda para Mariana Arantes, é preciso começar quebrando o esteriótipo de super-herói. "Achar que é uma vocação missionária não contribui. Está na hora da gente parar de tratar o professor como um coitado. Está na hora de tirar a educação no discurso, e colocar de fato essa valorização, na prática", reforça.
*Ana Beatriz Gonçalves é jornalista e repórter do Papo de Mãe