Governador corta isenção do IPVA das pessoas com deficiência
Raphael Preto Pereira* Publicado em 06/01/2021, às 00h00 - Atualizado em 07/01/2021, às 16h54
A boa entrevista da senadora por São Paulo Mara Gabrilli publicada na Folha no primeiro dia do ano, feita pelo repórter Joelmir Tavares, deixa uma dúvida: quando era prefeito e passeou pela zona norte da capital, em 2017, sentado em uma cadeira de rodas para “testar” as calçadas, o atual governador estava fazendo apenas demagogia barata? Ou ele se esqueceu desse curto período em que foi cadeirante?
Vou considerar que o que aconteceu foi a segunda opção. Portanto, me sinto no direito, como pessoa com deficiência, e na qualidade de cidadão que reside no estado governado por ele, de lembrá-lo da importância dos incentivos fiscais para pessoas com deficiência – o que ele quer cortar. Primeiro eu cito o que disse a senadora Gabrilli sobre isso:
“O dano que ele está causando à vida dessas famílias e à própria imagem dele é muito maior do que aquilo que supostamente será economizado, retirando a isenção desse grupo, sob o pretexto de combater fraudes. Cheguei a falar com o próprio João Doria, com [o vice-governador] Rodrigo Garcia, com o secretário Mauro Ricardo, com a secretária Célia Leão. Cheguei até a fazer um PowerPoint explicativo. Se não é desconhecimento, desculpe, só pode ser crueldade.”
Sou mais benevolente que a parlamentar e tentarei explicar ao governador o que significam as isenções de impostos para pessoas com deficiência.
Elas fazem parte de uma coisa chamada “política compensatória”. A partir da constituição de 88, o Estado brasileiro reconheceu uma dívida com populações marginalizadas, entre as quais estão as pessoas com deficiência.
Ao reconhecer esse débito, o poder público desenhou um modelo de isenções fiscais e políticas de incentivos para estimular que pessoas com deficiência frequentem espaços públicos de lazer e de cultura.
É daí, e não de bondade ou de assistencialismo barato, que nasceram iniciativas como o incentivo governamental para a educação inclusiva, a meia entrada para pessoas com deficiência em eventos culturais, a gratuidade nas passagens de ônibus e metrô. O governador, que quando era prefeito se travestiu de cadeirante, quer acabar com a isenção de IPVA para 80% das pessoas com deficiência que têm direito ao benefício. Alegando “fraude”.
É verdade que esses incentivos deveriam ter caráter transitório. Bastava, para acabar com eles, que o governador garantisse plenamente nosso direito de ir e vir.
Mara era deputada federal em 2017, sendo eleita para o senado em 2018, com mandato até 2026. Não lembro dela criticando Doria pela sua performance de “dublê de cadeirante”. A senadora ficou tetraplégica quando tinha 26 anos. Hoje, tem 53.
O chefe do executivo estadual provavelmente se esqueceu de tudo isso que escrevi aí em cima, mas é compreensível. Já que a sua experiência como cadeirante durou menos de 24 horas.
Cuidado, governador, pode ter gente achando que o senhor gosta de demagogia…
*Raphael Preto Pereira é jornalista e repórter do Papo de Mãe