O ator e escritor Vinicius Campos conta que foi conquistado pela gata Lula, que ela se tornou parte fundamental da família e ensina muito sobre amor e relação com os filhos
Vinicius Campos* Publicado em 12/11/2021, às 08h44
Fui uma criança sem animais de estimação. Minha mãe nunca gostou de bicho. Ela repetia: "não gosto, mas não trato mal". Em casa bicho estava relacionado a trabalho, falta de higiene e um compromisso que limitava nossa liberdade. Porém em toda casa sempre tem uma "ovelha negra". E no caso dos bichos a ovelha negra era minha irmã. Onde via um cachorro sarnento lá estava ela, brincando, cuidando, protegendo.
Depois de muitos anos e insistência, quando meus pais compraram uma casa de fim de semana, minha irmã conseguiu o que queria: adotamos um cachorro. Panthor. Era bravo, tinha sofrido maus-tratos, e demorou até que a Ju, minha irmã, conseguiu domá-lo. O cachorro ficou pouco com a gente, anos depois, saiu pra passear e não voltou. A caçula da família ficou péssima e meses depois chegaram outros dois cachorros pra morar na casa de Mairiporã.
Minha relação com Panthor e os outros dois cachorros foi distante e intermediada pelo filtro que minha mãe tinha me colocado. Cachorro é anti-higiênico, fedido e tem que ficar no quintal, longe da gente. Às vezes eu tinha algum momento bacana com eles, me permitia brincar, mas nunca me sentia completamente à vontade em sua presença.
Os anos passaram. Vim de férias a Buenos Aires, conheci o Edu, amor, convivência, casamento, filhos. Logo no começo as crianças fantasiavam com a ideia de ter um cachorro e eu repetindo o discurso de minha mãe. Não quero bicho, não quero cheiro de cachorro em casa, não quero ficar preso pra cuidar de pets.
Férias de verão de 2019. Alugamos uma casa no interior de Buenos Aires para passar umas semanas em família e com amigos. No condomínio apareceu uma gatinha bebê. As crianças enlouqueceram. Ficavam com a gata pra cima e pra baixo. Queriam dormir com ela, e eu louco, tentando impedir. Pedindo que a gata ficasse fora da casa, que isso, que aquilo. A pequena, às vezes, vinha até meu quarto, e por mais que eu não assumisse, sentia medo cada vez que aquela coisa pequenina se aproximava de mim.
Não teve jeito. A gata acabou sendo incorporada na família. Ganhou nome: Lula. Voltamos para casa e ela veio com a gente. Fui perdendo cada uma de minhas tentativas de mantê-la em outro espaço. Impossível impedir sua entrada em casa, impossível que não suba na cama, impossível que não caminhe pela mesa da cozinha. E o meu medo de sujeira, de pelos pela casa, de falta de higiene foi substituído por um amor difícil de explicar. Você que tem pet sabe bem e deve pensar: "Vini bobinho, como demorou."
Lula hoje é parte fundamental da nossa família e ela me ensinou muito sobre amor, inclusive me faz questionar diariamente minha relação com meus filhos.
Dia desses a Lula saiu na chuva. Não gosto que ela saia na chuva porque se molha e depois suja a casa (eu e a loucura pela limpeza). Ela sabe disso, já falei mil vezes, mas a gata insiste em sair. Quem tem gato sabe que dificilmente eles respondem aos nossos ensinamentos. Não é como cachorro. E cada vez que a Lula faz alguma coisa que eu não quero, continuo amando e aceitando ela do jeito que é. Por que então com meus filhos fico tão bravo? Por que condiciono meu amor e meu carinho a eles quando fazem aquilo que eu quero? Por que no lugar de educar, muitas vezes tentamos domesticar nossas crianças?
A relação que construímos com um animal passa pelo instinto, acessa outros sentidos em nós, desperta outros olhares, e nos ajuda inclusive a entender melhor nossos pequenos. A relação de nossos filhos com os animais também os transforma, ajuda que exercitem o amor e o cuidado, que sejam mais empáticos.
Toda a suposta falta de higiene e falta de liberdade são pequenas demais se comparadas a todos os benefícios que um pet traz para dentro de casa, e por isso, mãe, pai, se o seu pequeno tem pedido um animalzinho de estimação, pense com carinho, que no final o grande beneficiado pode ser você. Ah, mas quando eles disserem que vão cuidar do animal e que você não terá trabalho nenhum, não acredite. Aqui em casa quem cuida da Lula sou eu, por mais que eles tenham me convencido que seria diferente. ;)