“Boa parte dos juízes não leva em consideração a maternidade durante audiências de custódia. Esperança de garantias dos direitos fica nas cortes superiores”
Raphael Preto Pereira* Publicado em 09/05/2021, às 00h00 - Atualizado às 13h04
No dia 18 de dezembro de 2018, Adriana Ancelmo, advogada, esposa do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral e acusada de participação em vários esquemas de corrupção, conseguiu prisão domiciliar por uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), com base em um habeas corpus coletivo que garante a concessão de prisão domiciliar para mães de crianças que tenham até 12 anos.
Apesar dessa medida ter bastante aceitação em cortes superiores como o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF), pesquisas mostram que a falta de informação sobre as presas dificulta a concessão correta do benefício.
Um estudo divulgado pela Universidade Positivo feita na Penitenciária Feminina de Piraquara, no Paraná, verificou 177 processos referentes a 190 mães. Analisando cada caso, o estudo demonstrou que em ao menos 31% dos casos, não há nem mesmo informações sobre as presas terem ou não filhos. O que, na prática, dificulta o acesso à justiça para todas as presas.
A pesquisa também identificou que em 52% dos casos a liberdade provisória foi concedida. Em mais de dois terços das concessões de liberdade provisória, entretanto, os magistrados que analisaram os pedidos não levaram em consideração a questão da maternidade. E, além disso, apenas 12% dos pedidos de prisão domiciliar foram aceitos.
A pesquisa afirma ainda que: “apesar dos esforços legislativos e da decisão proferida no habeas corpus coletivo, a ausência de informações e a baixa mobilização da maternidade e da gestação no curso do processo judicial têm atuado como obstáculos ao exercício de direitos às mães presas.”
Para Ana Claudia Cifali, advogada do Instituto Alana, uma das organizações responsáveis pela articulação judiciária que resultou na concessão do habeas corpus coletivo, “quando analisado um cenário mais geral, as coisas não melhoram.”
“De forma geral, nós temos poucos dados sobre essa realidade. O último relatório divulgado pelo INFOPEN, um sistema de informações sobre sistema penitenciário, organizado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, revela que em 88% das penitenciárias não há dados sobre a maternidade das presas. Há tempos, o próprio Ministério da Justiça tenta conseguir mais dados sobre o tema, mas é complicado, só temos esse dado para 7% da população carcerária das mães”, lamenta Ana Claudia.
Só há dados para três mil mulheres. Hoje, o Brasil tem mais de 45 mil mulheres presas. “Sem os dados, não há como fazer avaliação de políticas públicas”, explica a advogada, que também ressalta que “há poucas discussões sobre isso entre os juízes.”
Quando a justiça nega o direito à prisão domiciliar e a mãe é obrigada a amamentar as crianças na própria prisão, a situação também se mostra complicada. Segundo dados do Ministério da Justiça, apenas 16% das prisões têm espaço adequado para a amamentação.
”Até mesmo em momentos como as audiências de custódia, poucos são os juízes que perguntam sobre a maternidade. Isso nunca é uma questão”, completa Ana Claudia.
A audiência de custódia é um momento no qual a pessoa presa em flagrante é apresentada a um juiz, que avalia a legalidade da prisão e a integralidade do preso.
Geralmente, o direito ao habeas corpus coletivo só consegue ser garantido após uma decisão das cortes superiores, reformando decisões da primeira instância.
“A partir da decisão do Supremo Tribunal Federal, a procura por esse direito aumentou muito, mas ainda falta informação para os agentes públicos e pessoas responsáveis por efetivar essa política. Na constituição, a única vez em que a palavra prioridade absoluta aparece é para se referir à criança. Falta planejamento para colocar isso em prática”, finaliza a advogada Ana Claudia Cifali.
*Raphael Preto Pereira é jornalista e colunista do Papo de Mãe