Faltou a COP26, em Glasgow, olhar para as crianças? Veja a análise de Danilo Farias e JP Amaral, do Instituto Alana
Danilo Farias e JP Amaral* Publicado em 14/12/2021, às 10h08
Em meio às longas filas no frio de Glasgow, passando pelos apertados corredores dos pavilhões e sem acesso às plenárias, ficou a indagação de como a COP26, a conferência do clima, poderia ser ambiciosa também no olhar para as crianças. Apesar de as crianças serem as mais gravemente afetadas pelos impactos das mudanças climáticas, não foram dos negociadores e suas metas que vieram as demandas mais contundentes a respeito delas. Vieram da sociedade.
Sob o lema “menos emissões, mais ambições”, esperava-se que, após duas semanas de negociações, sairíamos com um acordo que nos levasse a um futuro climático seguro para nós e para nossas crianças, garantindo que a temperatura não se eleve para além de 1,5°C. Entretanto, o resultado final foi aquém do que precisamos para reverter e remediar a emergência climática que já está batendo na porta das casas das famílias, em especial das mais vulneráveis em todo o mundo.
Houve avanços. Contamos com um compromisso pelo fim do desmatamento e pela redução em 30% do metano até 2030, ambos assinados pelo Brasil, além dos Estados Unidos, União Européia e Canadá. Tais acordos são especialmente relevantes para o contexto nacional, uma vez que o desmatamento, as queimadas e a agropecuária são as principais fontes de emissões de gases de efeito estufa e poluentes atmosféricos em nosso país. Vale ressaltar, entretanto, que a atual política do Governo Federal vai na contramão dessas medidas, com o congelamento e redução de orçamentos para programas estruturais de combate a queimadas, o que resultou, entre outras consequências, em cerca de 5.000 crianças hospitalizadas por mês no pico de incêndios de 2019. O Instituto Alana, por meio do programa Criança e Natureza, denunciou ao Ministério Público tal descaso, pedindo que sejam retomados esses programas, como o PrevFogo, SISAM e VIGIAR, e agora aguarda decisão do Procurador Geral da República, Augusto Aras.
Contamos, ainda, com uma declaração que visa garantir veículos 100% zero emissões até 2040. O Brasil não assinou (apenas as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo) e sofre atualmente pressões da indústria automobilística para adiar o prazo de adoção de tecnologias mais limpas (Proconve-8). A Coalizão Respirar vem continuamente tentando manter o prazo atual. Estudos apontam que o atraso no início da implementação dos novos padrões de controle de emissões poderá resultar em 2.500 mortes prematuras ao ano, sendo as crianças mais vulneráveis a tais emissões.
No âmbito das negociações oficiais dos países, por um lado, celebramos a conclusão do regulamento do Acordo de Paris. Por outro, deixamos a desejar na ambição em metas nacionais (as NDCs), incluindo as do Brasil, e teremos de aguardar para ver se algum avanço virá da COP27. Falhamos em ter um acordo mais robusto de financiamento para os países que já estão sofrendo as “perdas e danos” provocados por desastres climáticos. Vale dizer que mais de 1 bilhão de crianças no mundo já estão expostas a tais impactos e vivenciarão o dobro de queimadas, até três vezes mais secas e inundações, e sete vezes mais ondas de calor que as gerações atuais.
Também recuamos no rompimento da dependência do carvão e dos combustíveis fósseis como fonte de energia, passando a um olhar de “redução gradual” e limitando-nos a “subsídios ineficientes” de tais fósseis. Com articulações dos maiores emissores em salas fechadas e com pouco acesso da sociedade civil, tal retrocesso vai na contramão das vozes que clamaram por justiça climática, entre elas a maior mobilização de famílias pelo clima, que apresentaram uma carta ao presidente da COP, Alok Sharma, pedindo o fim de novos investimentos em combustíveis fósseis.
Lembremos que essa COP já tinha um ano de atraso. Não há desculpa para empurrarmos por mais tempo decisões que precisam ser tomadas. A pandemia, apesar de ter impactado as negociações, foi constantemente lembrada em discursos sobre como podemos chegar a soluções globais para combater uma crise emergente. As lágrimas de Mary Robinson e Alok Sharma, ou as fotos que alguns delegados mostraram de seus netos, não foram suficientes para sensibilizar as lideranças globais. Muito menos foram os dados.
O Instituto Alana tem por missão de honrar a criança e garantir seu direito constitucional a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, com absoluta prioridade, expresso nos artigos 225 e 227 de nossa Constituição Federal. Acreditamos que, como apresentará a 2a temporada da minisérie Aruanas, não podemos mais depender de petróleo como fonte de energia em um país com tantas fontes renováveis e socialmente mais inclusivas. Acreditamos que defender as crianças indígenas e seus territórios é fundamental, tanto para cuidarmos delas, que são as mais vulneráveis, quanto para garantir a floresta em pé, com tecnologias e técnicas de valorização da biodiversidade, como propõe o prêmio Alana XPrize Rainforest.
Nas palavras de Mary Robinson, em seu livro recém-lançado: “o que estamos vivendo é apenas um trailer de um longo filme a que já começamos a assistir. E o nome do filme é mudança climática.” Apesar de alguns avanços, a COP26 foi a mais excludente de todas, e deixa o dever de casa de seguir buscando espaços para maior ambição para garantir um futuro climático seguro para nossas crianças, inclusive proporcionando espaços legítimos de escuta e participação para elas, que não são as gerações futuras, mas as gerações atuais - e as mais impactadas pela crise climática.
*Danilo Farias é advogado do Instituto Alana e o JP Amaral é coordenador do programa Criança e Natureza, do Instituto Alana.