90% dos abusadores são pessoas que as crianças conhecem ou tem confiança e o mais grave é que apenas 15% a 30% dos casos de abusos são efetivamente reportados conforme aponta a OrganizaçãoWorld Childhood Fundation.
Roberta Manreza Publicado em 19/08/2020, às 00h00 - Atualizado às 10h30
Por Monique Rodrigues do Prado, advogada, integrante da Comissão de Direitos Humanos da OAB – Subseção Osasco. Participa do Comite de Igualdade Racial do Grupo Mulheres do Brasil e da Educafro
O DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, quinta edição),
da Associação Psiquiátrica Americana, define a pedofilia como um transtorno psiquiátrico em que pessoas adultas têm impulsos sexuais intensos, recorrentes e, por vezes, incontroláveis, em direção a crianças ensejando desde o consumo de pornografia ao efetivo
cometimento do crime de abuso infantil.
Do ponto de vista da psicologia, a pedofilia é um transtorno sexual patológico dos quais os sujeitos sentem desejo por crianças que ainda não são formadas fisicamente, mas frequentemente é possível ver que os pedófilos criminosos são casados e se relacionam sexualmente com adultos. À luz da psiquiatria, o tratamento ambulatorial revela que há algumas características em comum
atribuídas a esses indivíduos, tais como narcisismo, ser antissocial, transtorno de personalidade e transtorno de humor ou ansiedade. Variações na estrutura cerebral podem ser detectadas por ressonância magnética de acordo com os neurologistas.
No âmbito legal, o Código Penal Brasileiro estabelece que se houver o cometimento do crime com o efetivo estupro de vulnerável,
o abusador será classificado de acordo com o art. 217-A devendo ser punido com pena de 08 a 15 anos em prisão e regime fechado. Há também a previsão de causas de aumento na hipótese do crime resultar em lesão corporal 10 a 20 anos, aumentando ainda para 12
a 30 quando o ato criminoso resultar na morte da criança.
O art. 128, inciso II do Código Penal dispõe que caso a vítima venha a engravidar do estuprador, é legalmente permitido
o aborto, desde que consentimento pela gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
Dados mundiais demonstram que a 01 em cada 05 crianças serão vítimas de abuso sexual. 01 em cada 03 crianças são meninas,
enquanto que entre os meninos a violência ocorre em 01 em cada 07. 90% dos abusadores são pessoas que as crianças conhecem ou tem confiança e o mais grave é que apenas 15% a 30% dos casos de abusos são efetivamente reportados conforme aponta a Organização
World Childhood Fundation.
Como houve a intensificação da convivência familiar destaca-se que os casos de violência infantil teve um aumento de 32%
durante o período de pandemia segundo a ONG World Vision demonstrando que a casa não é um ambiente seguro para todos.
Nacionalmente, os números também saltam os olhos, visto que segundo o Ministério dos Direitos Humanos de acordo com os
dados coletados pelo DISQUE 100, dos 86,8 mil casos registrados em 2019, 87% dos suspeitos são do gênero masculino entre 25 e 40 anos, sendo na maior parte do caso cometido por pessoas de confiança da vítima, especialmente no ambiente familiar, ou seja,
pais, avós, padrastos, tios, etc.
Estima-se que os 86,8 mil casos registrados são apenas a ponta do
iceberg, visto queo número de casos é muito maior, pois os agressores aproveitam da condição de subordinação da vítima para ameaça-las a não acionar ou pedir por socorro.
Como a pedofilia e o abuso sexual infantil extrapolam o âmbito clínico e jurídico, já que a maioria de nós sente um embrulho
no estomago ao lidar com essa temática só de imaginar que cada uma dessas 86,8 mil vidas (e as tantas outras que sequer foram reportadas)
são de crianças que estão em constante risco incorrendo em implicações para toda uma vida por que é que o tema ainda é institucionalmente negligenciado? Será que é porque a maioria dos casos ocorre no ambiente familiar?
Para erradicar o estupro infantil precisamos começar a romper com o silêncio estrutural sobre a pedofilia e abordar aspectos
fundamentais que estão por detrás dessa atrocidade. Refletir sobre a hipersexualização infantil, a naturalização do assédio sexual e a cultura do estupro autorizada pelo milenar modelo patriarcal são fatores que ilustram os pilares que atravessam a negligencia
do tema.
Não podemos esquecer que “novinha” é um termo socialmente aceito para fazer referência a hipersuxialização de crianças
e adolescentes inclusive com buscas recorrentes em sites pornográficos. A ausência de pelos pubianos nos corpos femininos nessa mesma indústria pornô, também evidencia que há uma tendência à infantilização, o que revela um favorecimento a eternização da estética
infantilizada dos corpos.
A inversão de valores morais que faz com que haja manifestações fundamentalistas que responsabilizem a vítima e não o estuprador
estrutura-se no pacto estabelecido entre a masculinidade que para manter o seu
status quo amortiza, castra, silencia e estupra qualquer indivíduo que ameace a quebra desse poder, pois enxerga o outro como coisa e objeto de serventia, inclusive não à toa que as crianças meninas são os maiores alvos, ou seja, a mensagem é para que desde
cedo saibam que serão tratadas como coisa.
Por essa razão, emerge no cenário contemporâneo brasileiro a hipocrisia de projetos institucionais de partidos de extrema
direita que ironicamente chama-se “Escola Sem Partido”, o qual prega inviabilizar a discussão pedagógica e responsável sobre educação sexual nas escolas, por fundamentos vazios e machistas que não querem outra coisa senão a manutenção do patriarcado que autoriza
a cultura do estupro. O tema é complexo, pois forçadamente implica em invadir instituições da sociedade como no caso das famílias. Outras crianças
alvo dos criminosos são aquelas crianças que estão ainda mais vulneráveis, ou seja, as que estão em condições de rua; que já foram expostas a violência sexual; ou as que moram em abrigos ou situação semelhante.
A World Childhood Fundation, Organização mundial que atua na prevenção do abuso sexual infantil, acredita que é mais fácil fortalecer as crianças do que converter abusadores, por isso ressalta a importância da educação estimulando o acesso já na infância
sobre os seus direitos, bem como ensiná-las sobre a tolerância de proximidade de adultos em relação aos seus corpos. Além disso, a organização alerta que é basilar tratar com seriedade a denúncia das vítimas, apurando e atuando no suporte e tratamento multiprofissional
de equipe que envolva assistentes sociais, psicólogos e médicos para que a criança não seja torturada a repetir em depoimentos longos e burocráticos sobre o trauma sexual que foram fora submetidas.
Referências
http://cienciasecognicao.org/
http://crianca.mppr.mp.br/
https://childhood.org/about-
https://www.wvi.org/sites/