Vinícius se recuperou da Covid-19 graças à ECMO, utilizada pelo ator Paulo Gustavo. Em junho, o Ministério da Saúde decidiu não incorporar o tratamento ao SUS
Sabrina Legramandi* Publicado em 25/08/2021, às 13h09
Uma rotina de exames, radioterapia, quimioterapia, cirurgias e internações fazem parte da realidade de uma família de um paciente oncológico. A partir de 2020, a pandemia de um vírus que atinge duramente o sistema imunológico trouxe novos medos em meio a essa realidade.
Vinícius Brandão Souza Lima comemorou os 15 anos em casa neste mês. Com 11, foi diagnosticado com um tumor cerebral. Em janeiro deste ano, o adolescente teve que fazer uma cirurgia mais delicada, pois o tumor havia chegado ao tronco encefálico. No mês de abril, contraiu a Covid-19.
“Quando chegamos no hospital, a saturação dele estava em 45%. Ficamos totalmente desolados, porque a doença deixava a família toda em pânico”, conta o pai do menino, Celso Vieira de Lima. Da família, Celso foi o único que não contraiu o novo coronavírus.
No dia da internação, Vinícius teve a primeira complicação e precisou ser entubado. Os raios-X, feitos periodicamente, passaram então a mostrar um comprometimento sério do pulmão.
A médica me ligou e falou ‘olha, o pulmãozinho dele não está dando conta de oxigenar o corpo mais’. Você imagina uma pessoa escutar isso.” (Celso Vieira de Lima)
A partir daí, a equipe médica passou a buscar alternativas para que Vinícius voltasse para casa. Foi então que surgiu a ideia de incorporar a ECMO (Oxigenação por Membrana Extracorpórea, na tradução do inglês) ao tratamento. “Em um primeiro momento eu fiquei receoso: lembrei imediatamente que essa técnica havia sido utilizada pelo ator Paulo Gustavo, que morreu”, relata Celso.
O pai, porém, não imaginava que esse seria o tratamento que traria a melhora ao seu filho. Celso de Lima, durante a entrevista ao Papo de Mãe, não escondeu a emoção e a gratidão ao falar sobre a doutora Marina Fantini, cardiologista pediátrica da Rede Mater Dei, em Minas Gerais, e diretora da ECMO Minas.
“Eu falo com dor no coração, mas, se não tivéssemos a equipe da doutora Marina, ele não teria sobrevivido”, diz. Poucas horas após o início do tratamento, a saturação de Vinícius já estava se estabilizando.
Para Celso, ter médicos comprometidos com a recuperação do filho e, mais do que isso, preocupados em realizar o tratamento da maneira mais humana possível fez com que os dias de internação ficassem para sempre em sua memória. “Quando ele teve alta, ele não quis sair porque ele fez amizades muito grandes lá dentro”, conta.
Celso, inclusive, resolveu escrever um livro sobre todos esses dias. Momentos para ouvir músicas de Ella Fitzgerald, “comilanças” envolvendo salgadinhos e camarão, e a torcida de times mineiros pela recuperação, o Cruzeiro e o Atlético, permanecem na memória e no coração do pai.
Marina Fantini, a médica responsável pelo tratamento de Vinícius, conta que a ECMO surgiu em 1971 e vem sendo utilizada, mesmo antes da Covid-19, em grandes centros de referência ao redor do mundo.
Durante a pandemia, ela passou a ser empregada no tratamento de pessoas acometidas pelo novo coronavírus. A ECMO pode ser uma forma de substituir tanto o coração quanto o pulmão e, dessa forma, permitir que a doença causadora do comprometimento desses órgãos seja devidamente tratada.
A ECMO não é uma última alternativa, ela dá um conforto para o pulmão para que ele se recupere e oferece tempo ao paciente.” (Marina Fantini)
Durante toda a internação, Vinícius pôde ficar acordado e, segundo a médica, isso foi essencial para a melhora. “Ele escovava os dentes durante o tratamento, comia de tudo, como o Celso relatou, e compreendia o que estava acontecendo”, relata a doutora Marina. O menino chegava, até mesmo, a utilizar os termos médicos para falar sobre suas necessidades.
A ECMO, porém, também oferece alguns riscos. Em pacientes oncológicos, por exemplo, ela demanda uma atenção especial. “São pacientes imunocomprometidos e mais suscetíveis a infecções”, explica a médica. Para ela, é por esse motivo que é essencial que existam centros especializados na prática por todo o país.
Eu escutando o Celso fico realmente emocionada. A gente passa por uns momentos tão difíceis de enfrentamento à Covid-19, de casos que não são bons, de oportunidades que a gente não pode dar. Como eu gostaria de oferecer o que o Vinícius recebeu para outras crianças e outras pessoas.” (Marina Fantini)
A democratização da ECMO ainda não é uma realidade no Brasil. No dia 25 de junho deste ano, o Ministério da Saúde, a partir de recomendação da Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do Sistema Único de Saúde), decidiu não incorporar o tratamento ao SUS (Sistema Único de Saúde).
Os argumentos utilizados pela Conitec se relacionaram ao “grau de incerteza” e ao custo elevado do tratamento. Marina Fantini, porém, afirma que os pacientes “merecem uma chance” e que, a médio e longo prazo, a ECMO não é cara.
“Ela é um custo pontual e previne uma série de outros problemas. Um paciente que não teve a oportunidade de fazer esse tipo de procedimento pode ter sequelas e seu tratamento pode acabar ficando mais caro”, explica a cardiologista.
O pai de Vinícius, Celso de Lima, também opina sobre a decisão do Ministério da Saúde. Para ele, se existe uma técnica que preserva a vida, ela precisa ser acolhida pelo Estado.
Não é apenas um paciente que sai lesionado da UTI: há uma família por trás. A minha família hoje está completa por causa da doutora Marina e da técnica de ECMO e isso não tem preço. Afinal, qual o preço de um filho para um pai e uma mãe?” (Celso Vieira de Lima)
*Sabrina Legramandi é repórter do Papo de Mãe