A menina Maju, de 4 anos, possui uma doença rara que atinge apenas outras quatro pessoas no Brasil e que a inclui no grupo de alto risco para a Covid-19
Sabrina Legramandi* Publicado em 21/07/2021, às 14h02
Um ano e meio de isolamento social. Na realidade de Maju, de apenas 4 anos, isso não significa apenas um ano e meio sem encontrar os amigos da escola: significa um ano e meio sem ir ao hospital para tratar a deficiência na LCHAD, doença rara que atinge apenas outras quatro pessoas no Brasil. A desordem genética, também conhecida como 3-hidroxiacil-CoA desidrogenase de cadeias longas, faz com que o organismo não consiga quebrar as moléculas de gordura e transformá-las em energia.
Ela, como tantas outras crianças que possuem doenças raras e, desde sempre, são esquecidas pelos planos de governo, não está sequer incluída no calendário de vacinação – seja no de São Paulo, estado onde vive, seja no do Brasil.
Sua mãe, Luciana Magalhães Rosa, hoje luta na Justiça para que a filha seja vacinada contra a Covid-19 e continue tendo o direito à vida. Sem poder sair de casa para evitar contrair o vírus, por estar em um grupo de alto risco, Maju teve que pausar todo o seu tratamento: sua sonda alimentar não é mais trocada e as consultas com a fonoaudióloga, com o cardiologista e com a psicoterapeuta não estão mais sendo realizadas.
É um sentimento de muito medo, muita angústia e muita incerteza. A gente está conseguindo manter esse isolamento, porque temos a sorte de poder trabalhar de casa. Cada dia de isolamento, porém, é uma vitória.” (LMR)
No dia 16 de junho, foi concedida uma autorização para que Maju fosse vacinada com a CoronaVac, imunizante produzido pelo Instituto Butantan. Dois dias depois, porém, o TJSP (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo) cassou a liminar, alegando que a faixa etária não está incluída no PNI (Plano Nacional de Imunização) e que a decisão poderia gerar “grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas”.
Luciana, porém, defende que o Plano ainda é muito inconsistente e que o próprio estado de São Paulo já não segue mais o PNI – na semana passada, o governador João Dória anunciou a inclusão de adolescentes de 12 a 17 anos no calendário.
Outro problema também aflige a família: a volta gradual à normalidade. Com o retorno às aulas presenciais, a mãe agora lida com o medo de que Maju não consiga acompanhar esse processo e acabe “ficando para trás” em relação ao aprendizado e à convivência com os amigos.
‘Mamãe, quando que eu vou tomar a vacina? Vai doer, mas vai ser uma dor boa, porque eu vou voltar a ver os meus amigos’, ‘eu vou precisar reconhecer os meus amigos, né? Porque eu não lembro mais deles’ ou ‘eu já sei o que eu vou pedir para o Papai Noel: eu vou pedir a primeira dose da minha vacina’ são perguntas que ela sempre acaba nos fazendo.” (LMR)
Luciana conta que, há alguns anos, já havia entrado na Justiça para conseguir a autorização de uma fórmula alimentar, ainda não aprovada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). “As crianças com doenças raras não podem ser vistas como uma regra geral, elas têm que ser vistas na sua excepcionalidade”, afirma a mãe.
Para dar visibilidade à questão de Maju, a família decidiu criar uma página no Instagram (@vacinaja.criancas.raras) e um abaixo-assinado que acabou chamando a atenção de outros pais que passam pela mesma situação.
Outra entidade também trabalha para reunir famílias e pessoas que sofrem com doenças raras há muitos anos: o Instituto Vidas Raras. Fundado por Regina Próspero, a iniciativa, atualmente, busca unir as 15 milhões de pessoas com doenças raras no Brasil – sendo 80% delas, crianças.
A irmã de Regina, Rosely Maria, diretora de comunicação do Instituto, conta que hoje a principal luta, que vem desde antes da pandemia do novo coronavírus, é por mais pesquisas. Segundo ela, nenhuma das vacinas disponíveis para prevenir a Covid-19 foi testada em crianças atípicas, o que gera ainda mais insegurança aos pais e também à Justiça.
Quando a gente fala de crianças com doenças raras, é algo muito peculiar. Lógico que a gente quer todas as crianças vacinadas e todas as pessoas vacinadas urgentemente, mas a gente precisa ter essa segurança de que vai ser um benefício maior do que a espera, o que eu suponho que vai.” (RM)
A falta de pesquisas, para a diretora de comunicação, atinge desde crianças que interromperam o seu tratamento até aquelas que não suportam o uso de máscara, como as autistas.
“Para você que não tem uma criança rara em casa, um ano já está aí, mas para quem está passando por tudo isso, um ano é muito tempo. É por isso que a necessidade de as nossas crianças serem vacinadas é urgente, emergente, latente e crucial”, afirma.
Rosely, porém, dá um conselho para os pais que estão diante dessa situação: não desistir, porque lidar com doenças raras sempre esteve ligado a lidar com o impossível. Ela dá como exemplo o seu sobrinho, que, aos 5 anos, perdeu o irmão para a mesma doença com a qual convive hoje, aos 31 anos.
A gente já viu muitos impossíveis acontecerem. Tudo é feito conforme a regra, mas as doenças raras fogem da regra. O diagnóstico não é o fim: ele é o começo de uma nova vida.” (RM)
Em resposta ao Papo de Mãe, o Ministério da Saúde afirmou que a vacinação para pessoas menores de 18 anos ainda está em discussão na Câmara Técnica Assessora em Imunização e Doenças Transmissíveis. Por isso, a recomendação para os estados e municípios é de que todos os grupos prioritários definidos no PNI sejam vacinados com as duas doses das vacinas para que, gradativamente, a população acima de 18 anos também passe a receber os imunizantes.
Também ao Papo de Mãe, o Instituto Butantan afirmou que a CoronaVac é segura e estimula a produção de anticorpos em crianças de 3 a 17 anos, segundo estudo publicado no mês passado na revista científica Lancet.
A pesquisa, conduzida em parceria com o laboratório chinês Sinovac Biontech, teve 552 participantes e mostrou que a maioria das reações adversas provocadas nessa faixa etária não apresentava grandes riscos – as mais comuns foram dor no local da aplicação (13%) ou febre (5%). Apenas 1% dos voluntários apresentou reações adversas de grau 3, consideradas mais graves.
O Butantan ainda informou que todos os dados já foram encaminhados à Anvisa e que a adoção do imunizante para a população menor de 18 anos cabe ao Ministério da Saúde.
*Sabrina Legramandi é repórter do Papo de Mãe