Abrigos acolhem gratuitamente mães e filhos expostos ao perigo por homens abusivos para que fiquem longe de seus agressores
Marisa Marega* Publicado em 25/06/2021, às 07h00
O Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em seu último estudo, indica que em 2020, devido à pandemia da Covid-19, os registros de feminicídio cresceram 22,2%. Os dados indicam que uma mulher é assassinada a cada 2 horas no Brasil.
Para fugir da morte e do terror existem abrigos no país que recebem mães e seus filhos vítimas de relacionamentos tóxicos. A advogada e gestora de Políticas Públicas para Mulheres de Taboão da Serra entre 2013 e 2020, Sueli Amoedo, relata que percebeu um aumento de 35% por cento nos casos de violência doméstica ano passado. “A cada um minuto oito mulheres são agredidas no Brasil. O acolhimento institucional para elas é o último recurso utilizado para salvar a mulher, tendo em vista que a medida protetiva tem o cunho legal de preservar a vida da mulher. No entanto, quando esse mecanismo legal se torna ineficaz é feito o acolhimento, em locais sigilosos para manter a mulher em segurança e seus filhos também.”
Em São Paulo, a Associação Fala Mulher administra duas Casas Abrigo para Mulheres em Situação de Violência Doméstica. São serviços de acolhimento provisório (sigilosos), que oferecem moradia, alimentação, transporte, assistência social, apoio psicológico e atividades socioeducativas. Os abrigos são destinados às mulheres e seus filhos, que estejam em risco de morte, decorrente da situação de violência doméstica. Cada casa comporta 20 pessoas.
A psicóloga e gerente administrativa da Associação, há 12 anos nesse trabalho, Vanessa Molina, explica que atualmente a instituição atende oito mulheres e dezenove crianças. “As vítimas podem permanecer, durante um período de seis meses ou até que possam restabelecer sua vida, quebrando o ciclo de violência. Os serviços são totalmente gratuitos e realizados através de Termo de Colaboração, estabelecidos com a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social de São Paulo - SMADS, e com o Consórcio Intermunicipal da Região Oeste Metropolitana de São Paulo - CIOESTE, de acordo com a Lei Federal 13.019/2014.
Joana, nome fictício, de 26 anos, que foi abrigada pela entidade, conta:
Ele foi meu primeiro namorado, o amor da minha vida, pai do meu filho e por amor me esganou até quase meu desfalecimento. Perdi o chão e quase a vida. A “Fala Mulher” me acolheu, protegeu, fortaleceu e me mostrou que não foi minha culpa. Volto pra casa fortalecida com meu filho para começar de novo".
Durante o período de abrigo, as mulheres recebem atendimento social, encaminhamento para equipamentos da educação e saúde, orientação jurídica, defensoria pública entre outros. Além disso, a instituição incentiva o empreendedorismo e a autonomia financeira para que as vítimas não voltem a depender dos agressores. Ao sair dos abrigos elas são acompanhadas pelos Centros de Referência Especializados de Assistência Social – CREAS - da região em que a vítima mora.
Outra entidade que apóia as vítimas de violência desde 2009 é a Bem Querer que diante do risco eminente à mulher e, caso ela tenha filhos, envia a família a um abrigo sigiloso para proteção de todos. A assistente social e coordenadora da Casa, Joseane Andrade Silva, diz que atende a qualquer hora do dia ou da noite. “Recebemos diariamente 20 a 35 mulheres fazendo o acompanhamento com os filhos. No momento, acompanhamos 350 a 400 vítimas por mês que passam por toda a equipe multidisciplinar pelo tempo que for necessário. Hoje somos a única casa em São Paulo que tem terapia holística e acupuntura diária em razão da grande dor que essa pandemia provocou na vida de muitas mulheres. O atendimento é gratuito.”
Marlene, nome fictício, que foi atendida pela equipe Bem Querer fala sobre a experiência que passou:
“Tenho 32 anos, fiquei na relação abusiva por cinco. Começou por palavras e depois ele não me deixava mais sair. Se eu ia a algum lugar ele sempre aparecia e fazia cena de ciúme. Cheguei ao abrigo porque não tinha para onde ir com os meus dois filhos. O agressor invadiu a minha casa de madrugada e me bateu. Depois, disse para a mãe dele que tinha me matado com facadas. Tive que sair correndo com algumas roupas. Fiz o boletim de ocorrência, exame do IML e, de lá fui para o abrigo sigiloso. Fiquei por dois meses. Eu não podia sair para nada e tinha regras e horários do que fazer com as crianças. Não é um lugar ruim, mas também não é bom. No momento quem me ajuda é minha mãe com o aluguel e eu pego cesta básica em alguns lugares. Com isso, estou tentando me levantar. Ainda tenho medida protetiva e passo no psicólogo para poder esquecer o que passou.”
A Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania – SMDHC informa que a cidade de São Paulo tem uma rede de apoio e enfrentamento à violência contra a mulher, com oito locais de acolhimento e abrigo às vítimas. Além de uma casa de passagem e um abrigo sigiloso, a entidade tem ainda um local de alojamento temporário disponível dentro da Casa da Mulher Brasileira.
Completam o atendimento outros seis Centros de Acolhida Especial para Mulheres em Situação de Violência. Ana Claudia Carletto, responsável pela Secretaria, detalha: “A capacidade total de abrigo é de 60 mulheres acompanhadas de seus filhos, sendo 20 vagas em cada equipamento (Casa de Passagem, Abrigo Sigiloso e Alojamento Temporário – Casa da Mulher Brasileira). Além disso, existem seis Centros de Acolhida Especial para Mulheres em Situação de Violência com 120 vagas.
Os equipamentos oferecem acolhimento para as mulheres, acompanhadas de seus filhos, quando estão em situação de risco de morte e ameaçadas em razão da violência doméstica e familiar. Ou ainda, que sofreram algum tipo de violência física, sexual, psicológica e/ou moral. Por ser serviço sigiloso e de garantia de segurança da mulher, os endereços não são publicados.
As vítimas podem ficar nos abrigos por 90 dias e na Casa da Mulher Brasileira por 72 horas prorrogáveis. Quem precisar de atendimento deve procurar os Centros de Referência Especializados de Assistência Social, CREAS ou os Centros de Defesa e Convivência da Mulher, CDCMs espalhados por vários bairros da capital. As vítimas de violência que precisam do abrigo podem receber auxílio aluguel e ajuda financeira para pagar parte do aluguel residencial.
A Prefeitura também as capacita e oferece o programa Tem Saída de inserção no mercado de trabalho. Apesar dos serviços existentes, dada a população de São Paulo, os equipamentos são insuficientes. Sueli Amoedo, que também é co-líder do Comitê de Violência Contra a Mulher do Grupo Mulheres do Brasil, avalia: “Cada município deveria gerir uma política para abrigar a mulher, o que não acontece. Conseguir um abrigo leva tempo e dedicação de quem está trabalhando para salvar a mulher. No Brasil, a sociedade civil também entrou nessa parceria para construir abrigos através de consórcios de prefeitos. Mas quem precisa de ajuda imediata deve procurar um Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS. Na capital, a vítima obtém socorro na Casa da Mulher Brasileira.”
A Casa da Mulher Brasileira funciona 24 horas, todos os dias da semana, e presta atendimento integral às mulheres em situação de violência. A Casa é a primeira do gênero no Estado de São Paulo e a sétima no país. Ali, a mulher encontra uma equipe multidisciplinar: uma Delegacia de Defesa da Mulher (DDM), Ministério Público, Defensoria Pública, Tribunal de Justiça, um destacamento do programa Guardiã Maria da Penha da Guarda Civil Metropolitana e uma brinquedoteca para as crianças. No local existe ainda um alojamento temporário para as famílias ameaçadas de morte. A Casa da Mulher Brasileira está localizada à Rua Vieira Ravasco, 26, Cambuci. Tel: (11) 3275-8000. Agora, a promotoria da Casa também faz um atendimento por mensagens pelo whatsapp: (11) 96600-8506
Araraquara, Bauru, Carapicuíba (via consórcio CIOESTE), Campinas, Diadema (via consórcio ABC), Franca, Jundiaí, Limeira, Mauá (via consórcio ABC), Mogi das Cruzes, Osasco (via consórcio CIOESTE), Ribeirão Preto, Santo André (via consórcio ABC), São Bernardo do Campo (via consórcio ABC), São Carlos, São José do Rio Preto, São Paulo, Sorocaba. (Fonte: Ministério Público do Estado de São Paulo)
*Marisa Marega é jornalista