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Vivo para ressignificar a morte de meu filho, diz mãe de Lucas

Junto com a dele, terminava ali também a minha vida. Ou pelo menos a vida que eu conhecia. Nascia então uma nova Alessandra, que ainda está em construção e que luta todos os dias para ressignificar a morte do Lucas e encontrar sentido no que aconteceu com ele

Alessandra Begalli Zamora* Publicado em 08/01/2021, às 00h00 - Atualizado às 13h37

É lei: Morte de menino engasgado com  salsicha torna obrigatório curso de primeiros socorros
É lei: Morte de menino engasgado com  salsicha torna obrigatório curso de primeiros socorros

Meu nome é Alessandra. Sou advogada, tenho 45 anos e moro em Campinas, no interior de São Paulo. E hoje quero contar um pouquinho da minha história, que certamente impactará na vida de todas as mamães.

No dia 27 de setembro de 2017, meu único filho, Lucas, de apenas 10 anos, foi com o colégio particular onde estudava há 4 anos, a um passeio de estudo do meio em uma fazenda histórica localizada na cidade de Cordeirópolis. O passeio foi acompanhado também por uma conhecida empresa de turismo de Campinas, especializada em passeios pedagógicos.

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Não sei relatar com detalhes o ocorrido, mesmo porque não estava presente e os relatos são desencontrados. Mas o que sei é que no refeitório da fazenda foi servido, na hora do lanche, cachorro-quente. Lucas engasgou com um pedaço de salsicha. Entre todos os adultos que estavam no passeio, funcionários do colégio, da empresa de turismo e da fazenda, não havia ninguém preparado para desengasgar meu filho. Ele não recebeu os primeiros socorros de forma rápida e adequada (manobra de Heimlich ou de desengasgo + RCP). Socorrido pelo SAMU, foi levado, inconsciente, às pressas para a Santa Casa de Limeira em estado gravíssimo, com quadro de parada cardiorrespiratória e sinais de morte cerebral. Acabou partindo 2 dias depois, em decorrência de asfixia por engasgamento.

Junto com a dele, terminava ali também a minha vida. Ou pelo menos a vida que eu conhecia. Nascia então uma nova Alessandra, que ainda está em construção e que luta todos os dias para ressignificar a morte do Lucas e encontrar sentido no que aconteceu com ele. Após o choque inicial que tomou conta de mim por ter perdido meu filho único, meu companheiro de jornada, minha alma gêmea, o amor da minha vida, motivada por minha irmã Andréa e principalmente pelo imenso amor que tenho por Lucas, passei a
refletir sobre o quanto nossas crianças estão realmente seguras nos locais que frequentam.

Imagem de Alessandra abraçada com Lucas

Nós, pais, confiamos em deixar nossos filhos em locais que se dizem preparados para recebê-los. Mas há segurança? Pessoal treinado em primeiros socorros e certificadamente capacitado para prestá-los? As crianças são supervisionadas de perto por um adulto durante todo o tempo? Qual a proporção entre adultos e crianças?

Por que no Brasil os primeiros socorros são tão subestimados se eles podem salvar a vida de uma pessoa?

E foi então que eu e minha irmã Andréa, que é também madrinha do Lucas, iniciamos uma jornada nas redes sociais, através da página Vai Lucas no Facebook, e @vailucas_oficial no Instagram, no intuito de conscientizarmos as pessoas da importância desse tema, para que reflitam sobre ele, busquem o aprendizado que é tão necessário e fiquem atentas, fiscalizem e cobrem esse preparo dos locais onde deixamos nossas crianças. Escolas, creches, berçários, excursões, parques, clubes, academias de ginástica, peruas escolares, buffets infantis, tanto públicos quanto particulares, têm que estar 100% preparados para garantir a segurança das crianças que estão sob sua responsabilidade.

Com criança todo cuidado é pouco e a atenção tem que ser redobrada porque em um piscar de olhos se perde uma vida, como foi o caso do nosso menino. Mal sabíamos quanto alvoroço iriamos criar com essa atitude!
Nascia e antes que percebêssemos, crescia o  Movimento Vai Lucas!

Imagem de Luciana e Lucas deitados e sorrindo

Em novembro de 2017, 2 meses após a partida do Lucas, iniciamos a luta pela aprovação da chamada LEI LUCAS, cujo projeto idealizamos e apresentamos de município em município. Em 3 meses, já haviam quase 500 municípios com o projeto tramitando, 130 já haviam implantado a Lei. As assembleias legislativas de 13 estados também passaram a discutir o projeto da Lei Lucas e São Paulo foi o primeiro a implantá-lo. E chegamos a Brasília! Na Câmara dos Deputados o projeto da Lei Lucas foi aprovado por unanimidade em apenas 39 dias de tramitação, ficando conhecido como um dos projetos mais rápidos da história da Câmara. No Senado também a tramitação ocorreu em tempo recorde, 6 meses. E em 4 de outubro de 2018, 1 ano e 5 dias após a morte do Lucas, foi sancionada pelo Presidente da República a Lei 13.722/2018, mais conhecida como Lei Lucas!

Rodrigo Maia e outras pessoas na Câmara dos Deputados com uma camiseta com os dizeres #VAILUCAS
A LEI LUCAS é federal, portanto válida em todo o país. Ela torna obrigatório que instituições de ensino básico e de recreação infantil, públicos e particulares, proporcionem o treinamento de primeiros socorros para parte de seus funcionários. Um grande e importante passo para a segurança de nossas crianças e adolescentes. Acidentes são a principal causa de morte de crianças entre 0 e 14 anos e 90% deles podem ser evitados com medidas simples de prevenção. Mas quando a prevenção falha, muito ainda pode ser feito através dos primeiros socorros, prestados por quem está ao lado da vítima até a chegada da equipe de resgate (SAMU ou bombeiros) desde que essa pessoa esteja devidamente capacitada para tal.

Desde então muita coisa vem mudando nesse aspecto, em nosso país. Primeiros socorros ganharam espaço na mídia, nas redes sociais, nos grupos de mães. Cada vez mais as pessoas procuram se informar e aprender como salvar uma vida!

Nosso desafio agora tem sido divulgar incansavelmente a existência da LEI para que todos possam ajudar a fiscalizar seu efetivo cumprimento, para que ela possa realmente ajudar a salvar vidas!

Nada vai trazer nosso menino de volta. Mas sempre dissemos que se uma única criança pudesse ser salva e uma única mãe, uma única família, não tivesse que passar pela dor que passamos todos os dias, a partida do Lucas não teria sido em vão. E até o momento já foram dezenas de crianças e adultos salvos! Diariamente recebemos mensagens de todas as partes do país com relatos emocionantes de pessoas que salvaram o filho, o neto, o pai, o aluno, o desconhecido no meio da rua. Pessoas que  acompanham nosso trabalho, assistem nossos vídeos em nosso canal no YouTube dando dicas de primeiros socorros, ou mesmo que fizeram o curso. E invariavelmente essas mensagens que chegam até nós dizem: “Lucas vive a partir de hoje no meu filho, na minha aluna, no meu pai”.

De alguma forma, Lucas vive! Nosso menino, que sonhava em um dia ser famoso, se tornou mesmo. Sua história é contada por toda parte. Profissionais da saúde, policiais, bombeiros, instrutores de primeiros socorros, falam sempre sobre ele e o quanto através dele a realidade dos primeiros socorros no Brasil vem se modificando.

Eu e minha família continuamos firmes em nosso trabalho. Acabamos de fundar o Instituto Lucas, com a missão de aproximar cada vez mais nossa sociedade da prevenção de acidentes e dos primeiros socorros.

Quanto a mim, luto todos os dias para conviver em paz com a dor, a saudade e a tristeza que me acompanham. Tem dias que eu as venço e esses são os dias bons. Tem dias em que elas me vencem e aí me recolho, rezo, choro (muito), me permito. Um dia de cada vez, vou tentando ressignificar essa história, transformando dor em amor ao próximo e construindo essa nova Alessandra.

Infelizmente não verei meu filho crescer, se formar, casar, me dar netos… mas saber que há mães que poderão viver tudo isso através de um filho que tenha sido direta ou indiretamente beneficiado pela Lei Lucas, traz um calorzinho gostoso para o meu coração.

Lucas sempre me deu muito orgulho e espero que ele, de onde estiver, tenha orgulho de mim também. Meu filho teve uma passagem rápida por este plano, mas deixou um legado para todas as gerações brasileiras daqui por diante. Ele era grande e especial demais para ser só meu, tinha mesmo que ser para todo mundo!

Eu amo ser mãe, definitivamente nasci para isso e maternar é o que sei fazer de melhor nessa vida. Não tenho (pelo menos até o momento) outros filhos biológicos, mas algumas pessoas já me disseram que tenho milhões de filhos Brasil afora… e sempre serei a mãe do Lucas!

Quem quiser conhecer nosso trabalho e ajudar a divulgá-lo, visite:

www.vailucas.com.br

Facebook: Vai Lucas

Instagram: vailucas_oficial

YouTube: Vai Lucas Lei Lucas

Página do Lucas “in memoriam” no Facebook: Lucas para o Ataque (canal no YouTube com o mesmo nome)

*Por Alessandra Begalli Zamora,  advogada, mãe do Lucas, co-fundadora do Movimento Vai Lucas, fundadora do Instituto Lucas e idealizadora da Lei Lucas

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