Em casos de união estável, se há doação ou herança, quais os direitos do companheiro ou companheira?
Douglas Ribas Jr. e Carlos Alberto Santana* Publicado em 20/12/2021, às 07h00
Em se tratando de união estável e casamento, o regime de bens mais adotado no Brasil é o da comunhão parcial de bens, segundo o qual, todo o patrimônio conquistado ao longo da relação entre os conviventes ou cônjuges é pertencente ao casal, exceção feita para bens adquiridos por uma das partes através de doação ou herança.
Trata-se do regime de bens mais popular, não apenas porque, aparentemente, a maioria dos casais o considera justo, como também porque se não estipulado expressamente regime de comunhão diverso (p. ex. separação total ou comunhão universal), a comunhão parcial é a regra, nos termos da lei.
Significa dizer que independentemente de quem tiver contribuído financeiramente para a aquisição de determinado bem, se eleito o regime da comunhão parcial de bens, o bem pertencerá a ambas as partes, em igualdade de proporção, a menos que os valores que viabilizaram a compra tenham sido doados ou herdados.
Ora, como salientado acima, segundo a lei, se a aquisição do bem se deu por doação ou herança, não há comunicabilidade ao cônjuge/companheiro(a), pelo que o patrimônio advindo dessas circunstâncias pertence exclusivamente a quem recebeu por doação ou herança determinado bem.
Como fica se uma das partes recebeu doação ou herança e empregou esses valores para a compra de imóvel?
Se houver separação do casal, o bem comprado com recursos advindos de doação ou herança faz parte do patrimônio comum ou pertence, exclusivamente, àquele(a) que aportou valores que lhe foram doados ou herdados na compra da propriedade?
Em tese, ou seja, de acordo com a letra da lei, o patrimônio adquirido na vigência de casamento ou união estável sob o regime da comunhão parcial de bens, através de valores que foram recebidos por doação ou herança, pertence, unicamente, a quem foi beneficiado e acabou herdando ou recebendo a doação.
Mas, na prática, se não forem adotados determinados cuidados, ainda que comprado determinado bem com recursos provenientes de doação ou herança, pode haver (irregularmente) a comunicabilidade.
Antes de tudo, quem vive ou é casado sob o regime da comunhão parcial de bens, ao receber doação ou herança, pretendendo empregar tais recursos na compra de um bem, deve ter em mente que se faz necessário comprovar a origem dos valores que serão destinados à aquisição do bem.
Importante que sejam guardados recibos, comprovantes de depósito, escrituras, enfim, todo e qualquer documento apto a demonstrar a origem dos recursos financeiros que foram empregados para a aquisição do bem cuja conquista foi viabilizada por conta da doação ou herança.
Outra medida fundamental para a preservação dos interesses daquele(a) que recebeu doação ou herança e empregou recursos na compra de um bem, enquanto casado(a) ou convivendo no regime da comunhão parcial é cuidar para que, em se tratando de bem imóvel, conste na escritura de compra e venda, bem como no registro de imóveis, o fato de que os valores necessários para a aquisição tiveram origem na doação ou herança recebida em tal data.
Por vezes o valor recebido a título de doação ou herança é integralmente empregado por um dos conviventes ou cônjuges, no entanto, não perfaz o montante total necessário para a compra de um bem pelo casal. Nessas hipóteses, se houver separação do casal, como fica a situação?
Cada caso deverá ser objeto de análise individualmente. Tudo vai depender de quão representativo foi o capital proveniente da doação ou herança para a aquisição do imóvel.
1º CASO: Maria, casada com João no regime da comunhão parcial, recebe doação de R$ 1.000.000,00, que foi totalmente empregado na compra de uma casa, que custou R$ 1.500.000,00.
Havendo a separação de Maria e João, a casa adquirida pelo então casal deverá ser partilhada, na proporção de 2/3 (dois terços) exclusivamente para Maria. Já o 1/3 (um terço) restante caberá em partes iguais, para Maria e João. Na prática, desde que Maria tiver adotado as precauções que indicamos acima, a tendência é que ela mantenha para si a casa, na sua integralidade, compensando a parte que João faz jus, isto é, metade de um terço, quer seja através do pagamento em dinheiro (equivaleria à compra), quer seja na divisão desigual de um outro bem comum do casal a ser partilhado na separação, a fim de pagar pelo valor que é de João, por direito.
2º CASO: Maria, casada com João no regime da comunhão parcial, recebe herança de R$ 500.000,00, que foram totalmente empregados na compra de uma casa, que custou R$ 1.500.000,00.
Havendo a separação de Maria e João, a casa adquirida pelo então casal deverá ser partilhada, na proporção de 1/3 (um terço) exclusivamente para Maria. Já os 2/3 (dois terços) restantes caberão em partes iguais, para Maria e João.
3º CASO: Maria, casada com João no regime da comunhão parcial, recebe herança de R$ 500.000,00, que foram totalmente empregados na compra de uma casa, que custou R$ 1.500.000,00. O R$ 1.000.000,00 restante para a compra do imóvel foi doado pela família de João.
Havendo a separação de Maria e João, a casa adquirida pelo então casal deverá ser partilhada, na proporção de 1/3 (um terço) exclusivamente para Maria e 2/3 (dois terços) unicamente para João.
De se notar, pois, que se o valor do imóvel equivaler ao montante recebido por uma das partes a título de doação ou herança, não há dúvida de que, desde que adotadas as medidas necessárias para assegurar o direito de quem exclusivamente aportou recursos para a compra do bem, o imóvel pertencerá somente à parte que viabilizou a aquisição do bem. Já se o valor proveniente de doação ou herança não for o bastante para a quitação do imóvel, diversas podem ser as soluções do caso.
Finalizamos esse artigo com a expectativa de ter compartilhado informação relevante, que pode vir a fazer a diferença na vida econômica de mulheres e homens que atravessam ou se preparam para enfrentar a difícil caminhada que é o término de uma relação.
*Douglas Ribas Jr. é graduado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) em 1993 e pós-graduado em Direito Processual Civil pela mesma instituição. Cursou Program of Instruction for Lawyers na University of California - Davis. Reconhecido entre os mais admirados advogados de 2015 e 2019 pelo anuário Análise Advocacia, atua em contencioso e consultoria, especialmente nas áreas do Direito Civil, Consumidor, Comercial, Contratos, Imobiliário, Trabalho e Societário.
*Carlos Alberto Santana é Consultor da área cível do escritório Douglas Ribas Advogados Associados. Doutor e Mestre em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo - FADISP/SP. Pós-graduado em Direito Processual Civil e em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP. É Professor de Direito Processual Civil e de Direito Civil. Especialista em Direito Imobiliário e em Sistema Financeiro da Habitação. Escreve nas áreas de Direito Processual Civil e de Direito de Família. Advogado atuante nas áreas do Direito Público e do Direito Privado.