Punições constantes durante a infância têm impacto negativo nas ações das crianças e podem gerar inseguranças na vida adulta
Ana Gabriela Andriani* Publicado em 11/02/2022, às 06h00
Os castigos físicos foram utilizados durante décadas como práticas disciplinadoras na educação infantil. Pais, cuidadores e até escolas acreditavam que eram ferramentas adequadas para ensinar e corrigir as crianças. Punições das mais variadas formas eram comuns na maioria das famílias e aceitas socialmente. Mas essa realidade vem mudando.
Atualmente, o uso da violência com o propósito de educar não é apenas ineficiente do ponto de vista científico, mas condenado pelas Nações Unidas e entidades médicas. Ainda assim, “tapas” e “palmadas” continuam sendo usadas na maior parte do mundo na criação infantil. Segundo dados do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), 1 a cada 3 pais é favorável à punição corporal como maneira de educar.
Mas vários estudos, feitos ao longo de anos, demonstraram que o castigo físico, além de prejudicial ao desenvolvimento infantil, tem reflexo na vida adulta. Um levantamento publicado pela The Lancet, em 2021, revisou 69 pesquisas longitudinais e trouxe à luz pontos importantes sobre as práticas punitivas na educação das crianças. O primeiro deles, um dos mais relevantes, é que os castigos físicos não trazem as mudanças esperadas no comportamento do indivíduo.
As conclusões da publicação mostram que punições constantes não têm impacto positivo nas ações das crianças. Ao contrário, com o tempo, também podem gerar uma postura mais agressiva, excesso de raiva, rebeldia e a não aceitação de regras, criando inclusive comportamentos antissociais e até mesmo de transtorno desafiador opositor. Além disso, crianças que sofrem constantemente punições acabam se tornando adultos inseguros, com dificuldades de enfrentar os desafios impostos pela vida. Indivíduos amedrontados.
No processo de educação infantil, é importante enfatizar que as práticas punitivas não se restringem apenas aos castigos físicos, mas também de ordem psicológica, como ameaças, humilhações e submissões.
A imposição de limites a crianças e adolescentes é, de fato, necessária, mas isso não tem relação com tais práticas. A maneira como esses limites serão construídos pelas famílias será determinante para o desenvolvimento dos filhos. É importante que os pais e cuidadores tenham um discurso firme, mas que justifiquem suas decisões e regras, explicando o porquê daquele determinado comportamento não ser aceito ou permitido.
Dizer “não” faz parte do papel de um educador e, mais do que isso, é necessário, mas manter um canal de diálogo e de argumentação é essencial. Atitudes como essas são importantes para que os filhos se tornem pessoas capazes de se adaptarem a regras, mas também que consigam desenvolver um senso crítico e expressar opiniões.
Se na nossa vida adulta, o uso da violência é condenável, porque não seria contra nossas crianças? Fica aqui o questionamento.
*Graduada em Psicologia pela PUC-SP, Ana Gabriela Andriani é Mestre e Doutora pela Unicamp. Tem pós-graduação em Terapia de Casal e Família pelo The Family Institute, da Northwestern University, em Illinois, Estados Unidos, e especialização em Psicoterapia Dinâmica Breve pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas/USP. Possui, ainda, aprimoramento clínico em Fenomenologia Existencial na Clínica Psicológica da PUC-SP.
NOTA DA REDAÇÃO
No Brasil há leis que proibem o castigo físico. Uma das leis é conhecida como "Lei da Palmada". Saiba mais clicando aqui.
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