Pais que preferem proibir e outros expor, não existe certo ou errado, mas segundo especialistas é preciso manter diálogo aberto e monitoramento
Ana Beatriz Gonçalves* Publicado em 28/07/2021, às 09h20
De pais que criam perfis em redes sociais para os filhos recém-nascidos às mães que excluem a conta do TikTok de 2 milhões de seguidores da filha. Não existe critério, certo ou errado, quando o assunto é exposição na internet. O caso da paulista Fernanda Rocha Kanner, mãe da Nina, de 14 anos, veio à tona para levantar o debate entre pais e filhos. Afinal de contas, como estamos lidando com a interação de crianças e adolescentes na era digital?
Bom, a começar pela história de Nina, que teve seu perfil no TikTok – rede social do momento entre os jovens – excluído. Através do Instagram, sua mãe, Fernanda, comunicou a decisão que teve ao deletar a conta da filha, sem é claro, o consentimento da mesma. Na ocasião, ela disse que estava "cumprindo sua função como mãe" e também que não queria que adolescente crescesse em um mundo de "futilidades".
"Decidi apagar a conta do TikTok e do Instagram dela. Chata, eu sei, mas nossa função como mãe não é ser amiguinha de vocês e isso vocês só vão entender em retrospectiva. Papo de tia. O carinho que vocês têm por ela é a coisa mais fofa, mas eu não acho saudável nem para um adulto e muito menos para uma adolescente basear referências de autoconhecimento em feedback virtual", escreveu a médica, que é mãe de mais dois. Fernanda fez questão de ressaltar que a filha vai viver o mundo real; viagens, passeios e estudos.
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Em um caminho completamente oposto ao de Fernanda, existem pais que não esperam nem os filhos aprenderem a falar, ou sequer a andar, para incluir os pequenos no mundo digital. Esse é o caso do casal de celebridades Virginia Fonseca e Zé Felipe, que antes mesmo da filha Maria Alice nascer, a criança já tinha 2 milhões de seguidores no Instagram. Agora aos três meses, a neta do cantor Leonardo conta com 4,6 milhões.
Apesar de ser um fenômeno desproporcional, existem muitas Marias Alices na internet, isto é, bebês com perfis criados pelos pais. De acordo com a pesquisa feita pela empresa internacional AVG Internet Security, divulgada em 2019 pelo El País Brasil, três de cada quatro crianças com menos de dois anos têm fotos on-line.
Não é preciso ir longe para conhecer alguém que tenha criado uma conta na rede social para o filho pequeno. Expor as palhaçadas, os cliques fofos e os momentos inéditos é uma vontade normal. No entanto, é preciso se atentar aos limites. Pelo menos é isso que explica a psicóloga especialista na psicanálise da criança e adolescente, Cecilia Maria Tumiatti Vas Lebre, que conversou com o Papo de Mãe nesta reportagem.
"Está se banalizando a privacidade, o crescimento, as conquistas. A partir do momento que fica só no virtual, é muito fácil criar uma realidade que não é a verdadeira e isso traz consequências principalmente para os adolescentes", comenta a psicóloga infantil, que diz se preocupada com a falta de intimidade por conta do uso das redes sociais.
A psicóloga Cecilia Maria Tumiatti, que trabalha e estuda o público infantojuvenil, afirma que tem percebido no consultório uma crescente de meninas que se preocupam demais com aparências e com isso, acabam adquirindo crises de ansiedade por conta do uso exacerbado das redes sociais.
O que as pessoas postam não é bem a verdade, fica um desejo muito grande de ser ou ter coisas que nem sempre são reais ou possíveis e isso é preocupante. Muitas crianças e adolescentes estão com a autoestima muito baixa porque ficam se comparando. Sofrem bastante com isso, é o que eu tenho sentido". (CM)
Além dos fatores de risco evidentes relacionados à exposição de bebês, crianças e adolescentes na web – como, por exemplo, o crime de pedofilia e exploração sexual – existem fatores perigosos que entraram nessa conta há pouco tempo, principalmente com a intensificação do debate sobre saúde mental. A especialista também fala preocupação em torno das dificuldades de socialização na vida real, ou seja, fora das telinhas, das crianças e adolescentes que vivem imersos nas redes.
"Para muitas delas não se tem mais valor de vivenciar o momento. De fato cabe aos pais acompanharem e estarem junto monitorando. Se percebem que existe uma grande dificuldade da criança interagir com pessoas, aí tem um ponto que precisa ser visto", comenta.
Se a exposição pode ser maléfica para o desenvolvimento dos jovens, muitos pais se questionam se a solução é mesmo a proibição total, por exemplo. Na opinião de Daniele Costa, especialista em comportamento e coach, proibir totalmente a exposição nas redes sociais também não é a melhor saída. Isso porque segundo ela, pode afetar negativamente a relação entre pai e filho/criança e adulto.
Daniele explica que dependendo da forma como o pai ou a mãe aborda a criança, ou adolescente, o mesmo pode interpretar como autoritarismo, causando o efeito contrário da compreensão que é preciso ter para um relacionamento saudável e livre de amarras ou mentiras.
"O cuidado como a forma que os pais vão se posicionar com relação a esse movimento que existe, e não tem como negar já que faz parte da realidade deles, é essencial. A melhor forma é tentar estar próximo e observar todo o movimento. Existe uma linha muito tênue entre o controle e a castração, e para isso a comunicação é tudo."
Em síntese, a falta de diálogo entre gerações é o principal gerador de conflitos quando o assunto é redes sociais.
Seja boa ou ruim, não tem como voltar atrás: as redes sociais hoje fazem parte da vida e rotina do mundo. São combustíveis de conteúdos, geram emprego e renda, e também levantam debates importantes na sociedade – como a repercussão da morte de George Floyd em maio de 2020, vítima do racismo estrutural, e que impulsionou o movimento #BlackLivesMatters (Vidas Negras Importam).
Mas para além desta função social, a internet assumiu outro papel decisivo quando o assunto é adolescente ou até mesmo infância: a vontade de pertencer. Cecilia Maria Tumiatti, psicóloga infantil, confirma tal questão.
"Por um lado, as redes sociais são muito importantes quando falamos de busca por identidade. O momento da pré-adolescência, principalmente, é uma fase em que eles precisam muito pertencer a um grupo. É o momento em que a criança está saindo do núcleo familiar e buscando outras referências", explica a especialista.
Com uma variedade e diversidade de grupos, informações e "tribos", excluir por completo a possibilidade da criança ou adolescente se desenvolver nesse sentido pode ser prejudicial, já que assim, a necessidade de inclusão não é atendida – o que pode acabar por gerar traumas.
Segundo Daniele Costa, é importante que os pais entendam que os filhos são indivíduos únicos, e que também precisam criar seus respectivos espaços. "O adolescente é um ser humano. É preciso entender também que faz parte de um momento da vida", acrescenta.
Apesar de os jovens terem mais facilidade com as redes sociais e até mesmo a internet no geral, é quase impossível viver isento do mundo virtual nos dias de hoje. Não só crianças e adolescentes, mas adultos e idosos também estão nas redes. Pensando nisso, é preciso também ficar atento para não repetir aquela velha máxima: "Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço".
"Se não vira uma questão comoda... Quando eu não quero dar atenção pro meu filho, eu deixo ele acessar as redes sociais, mas quando eu percebo que está acontecendo uma coisa ou ele está acessando com bastante frequência proíbo. Aí não dá", comenta Daniele Costa.
O medo de pagar com a própria língua fez com que o empresário Alexandre Slivnik liberasse o uso de redes sociais para os filhos, Leonardo, de 13, e Beatriz de 10. "Eu particularmente penso que é claro que as redes socais trazem uma preocupação de exposição, mas acho incongruente os pais que proíbem os filhos, mas vão lá e postam", conta ao Papo de Mãe.
Se eu nas minhas redes sociais posto a minha vida, por que não começar a educar meus filhos como fazer o melhor uso dessa ferramenta? Eu prefiro que eles aprendam a usar, com a minha supervisão, do que proibir", conta o pai de dois.
Na casa de Alexandre o uso de redes sociais é permitido, no entanto, existem certas regras a serem cumpridas – sem contar o monitoramento excessivo por parte dele e da sua esposa. "Eles só podem escolher uma rede social. O Leo teve TikTok e aos 12 deixamos ele migrar para o Instagram, e ainda é uma conta fechada. Só autoriza seguir quem nós deixamos, quem ele conhece. A nossa regra é: 'você conhece a pessoa? Se sim então tá bom'. É o nosso acordo", conta.
Já a pequena Bia, de dez anos, está apenas no TikTok. Segundo o empresário, ela terá a opção de decidir entre a rede de vídeos ou Instagram apenas aos 12 anos, assim como o irmão. "Ela já está ansiosa para esse momento", adianta.
Embora as regras familiares estejam bem estabelecidas, Alexandre não excluí a possibilidade de conversar com os filhos, e se necessário, alterar uma coisa ou outra. "A gente discute sobre isso. O dia em que acontecer alguma coisa ou mudarmos de opinião sobre algo, a gente avalia. Mas hoje temos essa conduta: preferimos orientar do que proibir".
Para Alessandra Borelli, advogada especialista em proteção de dados, direito e educação digital, é importante deixar claro que crianças, assim como adultos, são sujeitos de direitos, e por isso, quando se trata de exposição nas redes, é preciso ressaltar que o direito de preservar a imagem está previsto na Constituição Federal e também no Estatuto da Criança e do Adolescente.
"Esses direitos, até que disponham do devido discernimento, são deveres dos adultos que são os responsáveis..Não se trata tão somente de um dever moral, mas sobretudo legal. Já há relatos internacionais de processos ajuizados por filhos contra pais pela exposição desmedida de suas imagens nas redes sociais. Ainda não há precedentes a respeito no Brasil, mas inúmeras são as queixas de crianças que se sentem constrangidas ao serem expostos por seus pais nas redes sociais, o que não pode ser ignorado", afirma a advogada.
Como mãe, Alessandra entende o "prazer" das inúmeras curtidas e carinhosos elogios nos posts com fotos dos filhos, mas seu olhar como especialista em direitos digitais a faz se preocupar ainda mais com o perigo da exposição, que pode colocar em risco a segurança não só da criança ou adolescente em questão, mas como também a segurança da família.
"Já vi centenas de vezes a angústia e o desespero dos pais ao se depararem com haters, stalkers e predadores sexuais ofendendo ou apropriando-se das imagens de seus filhos contidas nesses mesmos posts para montagens e divulgação em sites de conteúdo pornográfico. É preciso ter cuidado com a segurança e bem-estar de nossas crianças, evitando fotos que tragam informações sobre sua rotina, onde mora, com quem, onde estuda e também em situações ou condições que, em algum momento, no presente ou futuro, possam lhe causar qualquer tipo de constrangimento", reitera.
Atualmente o Facebook e o Instagram são permitidos, oficialmente, apenas para crianças a partir de 13 anos. No entanto, existem pais que criam os perfis dos filhos (como já citado no começo da reportagem).
Recentemente a companhia de Mark Zuckerberg anunciou que menores de 16 anos terão perfis pré-definidos como privados ao se cadastrarem na plataforma do Instagram. Segundo a empresa, a iniciativa é uma forma de garantir ainda mais a segurança para pais e adolescentes.
A iniciativa é uma ampliação de uma medida anunciada em março passado, quando a rede social convidou os adolescentes a trancarem seus perfis no momento do cadastro.
O que muda é que o perfil privado, que exige que o dono aceite solicitações de seguidores e não mostra os posts na aba Explorar ou nas hashtags, passa a ser a definição padrão para os menores de 16 anos.
Já o TikTok, "aplicativo vizinho", também estabelece 13 anos como idade mínima de acordo com os termos e condições.
*Ana Beatriz Gonçalves é repórter do Papo de Mãe