A colunista Ariela Doctors fala sobre alimentação adequada e saúde infantil. No final tem receita de goma de mandioca.
Ariela Doctors* Publicado em 15/10/2021, às 16h47
Nossa alimentação está diretamente ligada a nossa saúde. A palavra RECEITA já nos dá uma pista. Porque, desde os tempos mais antigos, ela pode estar se referindo a uma receita médica , mas também pode estar se referindo a uma deliciosa receita de um assado, um ensopado, um refogado, um doce, uma torta... Pensando assim, fica mais fácil a gente entender que o alimento pode ser o nosso próprio remédio. Pelo menos, de forma preventiva.
Desde a antiguidade, antes da medicina ser essa ciência como a gente conhece hoje, Hipócrates criou uma teoria. A teoria humoral, que era a base da dietética que ajudava na cura das pessoas naquela época. Essa teoria, grosso modo, dizia que o corpo humano era formado por 4 humores (a fleuma, a bile negra, a bile amarela e o sangue) e eles se relacionavam com alguns dos nossos órgãos (a cabeça, o baço, fígado e o coração) que, por sua vez, se relacionavam com os quatro elementos da natureza (a água, a terra, o fogo e o ar). Logo, na concepção de saúde dos antigos gregos, entendia-se o corpo humano como um microcosmo e o Universo como um macrocosmo. Nossa saúde dependia de um equilíbrio entre esse macrocosmo e o microcosmo.
Com o passar dos anos, esse entendimento e esse equilíbrio parece que foi esquecido...nós fomos nos descolando da natureza, nos distanciando da terra, do alimento fresco e de suas capacidades de cura para nossas mazelas. Com a população mundial cada vez mais numerosa, as técnicas de plantio e cultivo avançaram em larga escala, aumentando a produtividade, diminuindo a qualidade e o acesso ao alimento.
O modelo de produção agroindustrial cresce degradando a comida, numa produção de ultraprocessados em larga escala a custos menores que os ingredientes oriundos da natureza, reforçando más escolhas alimentares. A fome, a desnutrição e a obesidade avançam a passos largos no Brasil. Acompanhamos o aumento da insegurança alimentar com o crescimento vertiginoso da incidência de doenças crônicas não transmissíveis relacionadas ao sobrepeso e obesidade, que hoje afetam cerca de 50% da população adulta, ocorrendo, no caso brasileiro, em alarmantes 30% do segmento de crianças e jovens.
Esse modelo desfavorece as bases do Direito Humano à Alimentação Adequada – DHAA na medida em que contraria princípios elementares do desenvolvimento sustentável, impondo obstáculos à agricultura familiar e de base agroecológica, desrespeitando saberes e práticas alimentares tradicionais e depreciando a sócio biodiversidade alimentar.
Nunca a expectativa de vida de uma geração foi menor do que a geração anterior. Que é o que está acontecendo agora, segundo a Organização Mundial de Saúde. Em tempo algum tivemos tanta alimentação fora do lar, tantos cursos superiores de gastronomia e culinária, tantos programas de tv sobre gastronomia, nunca se conheceu tanto sobre o alimento como agora, só que nunca cozinhamos tão pouco.
Para tentarmos diminuir o impacto, precisamos aproximar nossas crianças novamente da natureza, da observação de padrões e ciclos naturais. Aconchegá-las na terra e conciliá-las em seus territórios, fazendo com que a biodiversidade local as atravesse e encante. Reconectar a criança ao alimento, resgatando a nossa história, cultura e biodiversidade por meio da educação e do cozinhar pode ser um caminho para compreensão que está tudo interligado. O microcosmo e o macrocosmo. Nosso interior e o exterior. Nossa relação com nós mesmos, com o outro e com o meio.
Como indivíduos, cozinhar desde criança é uma maneira que temos de nos tornarmos mais independentes, confiantes, criativos, cooperativos e críticos em relação ao que a gente consome e ao que a gente come.
Faz-se necessário aproveitar essa ligação clara e crescente com a saúde humana, a diversidade e a segurança alimentar. Esta é uma oportunidade para conservação e integração da biodiversidade brasileira em prol de benefícios à nutrição e saúde da população. A culinária pode ser uma porta de entrada da biodiversidade nos processos e agendas de outros setores e promover um ambiente político favorável entre agricultura, saúde, educação e meio ambiente. As crianças têm esse direito.
Aqui vai uma receita deliciosa e surpreendente de balas de goma feita em casa!
Você pode acessar outras receitas no site Comida e Cultura e conhecer mais do nosso trabalho no @projetocomidaecultura e no canal de youtube Comida e Cultura.
*Ariela Doctors é chef, comunicadora e mãe