Todo relacionamento é uma dança, em que precisamos ajustar o nosso ritmo interno com todos os ritmos de fora. Se houver descompasso não haverá harmonia
Mariana Wechsler* Publicado em 01/07/2022, às 06h00
A sua vida como mãe ou cuidadora não tem a ver com o que a criança faz, como se veste ou o que ela usa. Mas sim, sobre qual tipo de relacionamento você cultiva na sua existência.
Eu gosto de semanalmente compartilhar um mantra, que nada mais é do que uma frase, com profundo significado para que seja repetida em voz alta. Até que seu cérebro internalize essas informações e crie conexões positivas.
"Eu sou o adulto dessa relação, a criança é apenas uma criança” .
Um dia desses meu filho me chamou para ver ele dançar. Ele posicionou as poltronas, arrumou o tapete e deu play. A música favorita do momento, é aquela que faz com que todos da casa escutem por umas 15 a 20 vezes em um único dia.
Em uma fração de segundo o show começou fora e dentro da minha mente. A representação daquela cena me remeteu a diversas sensações.
Lembrei das vezes que eu era criança e dancei quando, na verdade, não queria dançar e só fiz para agradar. Das vezes que sentei quando, na verdade, eu queria dançar.
Das noites de forró em que eu pisei em muitos pés porque estava focada somente no meu ritmo. Já teve vezes que eu me ajustei na dança de outra pessoa, mas fiquei completamente desconectada comigo mesma.
Mas também lembrei das vezes que dancei lindamente, assim como meu filho, sentindo as batidas do meu coração em perfeita harmonia com a música.
Conhecer os nossos ritmos, passos, gestos e gostos é essencial para que consigamos dançar com autenticidade. Saber os nossos limites nos faz conscientes do quanto estamos dispostos a abrir mão e do que precisamos cuidar e defender com alma.
É mais do que comum termos expectativas inconscientes quando cobramos que a criança se comporte como um adulto. A gente a vê aprendendo as coisas rápido, interagindo e logo pensamos que as associações mentais dela são capazes de fazer coisas como tal, e aí, o céu é o limite para as nossas expectativas.
A criança que se sente tímida, precisa deixar de ser bicho do mato e dançar na festinha. Já a que é “agitada” precisa ficar quieta no restaurante. Queremos que se comporte sem mexer em nada na casa dos outros, mas que dê um abraço de tchau para ir embora.
Esquecemos que ela é só uma criança, e o principal, que ela é ela.
É evidente que direcionar a criança, explicar como viver em sociedade, compartilhar nossas expectativas com ela, desde que estejam de acordo com a capacidade de um cérebro em desenvolvimento, está super ok e é o esperado para o nosso papel de adultos responsáveis pelos pequenos.
Mas o que acontece é que, infelizmente, somos uma geração que tem muita, mas muita dificuldade em demonstrar nossas insatisfações de uma forma séria porém tranquila para quem quer que seja. Ora nos calamos, ora “perdemos a cabeça”. Como é difícil expressar o que sentimos.
Não fomos educados emocionalmente e não aprendemos a nos expressar. E no fim os pequenos “pagam o pato”, a gente insiste para que a criança entre na roda da festa junina e ela trava. Não entra nem com as nossas ameaças ou nossa cara de insatisfação. E ainda depois fazemos questão de pregar aquele sermão pela vergonha que a criança nos causou.
“Nossa que vergonha, você foi a única da sala que não dançou. Parece um bicho do mato, fulaninho dançou todo bonitinho”.
Se você não conseguir entender essas palavras como violência, eu compreendo, somos todos uma geração que cresceu normalizando isso.
Numa recente e longa pesquisa feita com mais de 6 mil pessoas, pelo Instituto Australiano de Estudos Familiares, foi identificado que um ambiente familiar agressivo (físico ou psicológico) aumenta de 2 a 6x a probabilidade de o indivíduo desenvolver profunda depressão e ansiedade na fase adulta.
Eu sei, é difícil fazer diferente, nem sempre vamos acertar. Mas eu tenho certeza, que se você compreender algumas informações que vou te dizer aqui. Tenho certeza que você encontrará outros caminhos para educar a sua criança.
A ciência revela que o cérebro do ser humano apenas completa o seu pleno e total desenvolvimento por volta dos 25 anos.
Pasme, antes disso nosso cérebro não é capaz de criar conexões e, portanto, é difícil responder emocionalmente com a mesma capacidade que um adulto saudável pode ser capaz.
Quando nos tornamos pais, questões pendentes do passado influenciam a forma com que reagimos aos fatos e portanto, a forma que educamos as crianças.
Todas as experiências interpretadas pelos nossos sentidos, visão, audição, tato, olfato, paladar são recebidas primeiramente por uma área especifica no nosso cérebro.
Essa área é responsáveis por interpretar as sensações das experiencias e sequencialmente elas criam uma lembrança que pode ser categorizada em nosso “álbum inconsciente de experiências” como algo bom ou algo ruim.
Isso acontece hoje com você, em cada experiência na sua vida e aconteceu de forma veloz na sua primeira infância.
Isso forma o que podemos chamar de “MEPI” (Momentos Emocionais, seu Ponto de Inflexão) que é o seu “álbum inconsciente de experiências pessoais”, esses códigos definem as lentes pelas quais você compreende o mundo.
Todas as vezes que você vê, escuta, sente o cheiro, um sabor ou uma textura rapidamente o seu cérebro faz associações que podem ser interpretadas no seu “álbum inconsciente de experiências” como algo positivo ou negativo. E seu corpo sente e reage conforme a interpretação.
Caso a interpretação seja de algo negativo, por segurança, o seu cérebro ativa o modo de estresse, e assim seu corpo sente e reage como se estivesse sob ameaça.
Essa parte do cérebro não consegue dizer: “Ei, não precisa ficar assim, isso aconteceu há anos. Você não está sob perigo”.
Quando finalmente o sinal chega para outras partes do seu cérebro então você será capaz de perceber o que de fato está acontecendo. Mas essa informação leva um tempo a ser processada, a gente se sente confusa, nervosa, e demoramos para nos acalmar. Essa é uma das razões por suas reações explosivas com as crianças.
Se isso acontece com a gente, imagine com as crianças - que até os 3 anos nem possui as camadas superiores desenvolvidas e as até os 25 anos as duas camadas ainda estão em processo de desenvolvimento.
Como esperar que uma criança de 3 anos, 8, 10, 13, 14, 15 e por ai vai se comporte como um adulto?
Nós adultos inundados em nossas emoções e memórias, passamos a cobrar reações e comportamentos das crianças como se elas fossem adultas, com o cérebro formado e com as conexões feitas.
A gente faz combinados e exige que elas cumpram; a gente ensina algo e espera que elas aprendam e não errem. A gente espera que elas entendam quando dizemos que “não podemos nos atrasar”, ou quando é para ela dividir o brinquedo com o irmão.
E quando nos sentimos frustrados, reagimos.
Quanto dessas atitudes realmente te pertencem e quanto foi o que aconteceu na sua vida, sendo esses o seu exemplo de “Como Fazer”?
Muitos fenômenos da vida cotidiana estão diretamente ligados a esse processo em que o cérebro elabora o mundo por meio de associações e memórias. Por isso é tão importante mergulharmos para dentro de nós mesmos para entendermos o motivo dos pensamentos e reações de hoje.
Repetindo nosso mantra: “Eu sou o adulto dessa relação, a criança é apenas uma criança”
A pergunta que você deve se fazer não é “Por que minha filha ou filho se comporta desse ou daquele jeito”, mas sim: "O que aconteceu comigo?" – “Por que sinto isso?”.
Perguntar sobre seus sentimentos é fundamental quando queremos entender a nossa mente.
Nossas experiências moldaram e continuam moldando a maneira como os sistemas essenciais do nosso cérebro se organizam e funcionam.
Assim, cada um de nós vê e compreende o mundo de maneira única. E só um diálogo sincero é capaz de alinhar as diferenças.
Minha missão é te ajudar a trazer luz, alegria e amor de volta ao seu lar.
Seja sua melhor amiga em primeiro lugar, seja a pessoa Fantástica que você é.
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*Mariana Wechsler, Educadora Parental, especialista em educação respeitosa, budista há mais de 34 anos e formada em Comunicação. Mãe de Lara, Anne e Gael. Escreve sobre parentalidade consciente, sobre os desafios da vida com pitadas de ensinamentos budistas e suas experiências morando fora do Brasil, longe de sua rede de apoio. Acredita que as mães precisam aprender a se cuidar e se abraçar, além de receberem apoio e carinho. Sempre diz: “Seja Fantástica! Seja sempre a sua melhor amiga”.
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