Fernando conta a história do processo de adoção de seus dois filhos, Kauan e Isadora
Fernando Bordignon* Publicado em 28/05/2022, às 10h30
Minha família tem por tradição ir a orfanatos, asilos, abrigos etc ... Para ajudar conversar dar carinho. E eu acompanhava isso. Em 2010 fomos morar na cidade de Bertioga e quando começou se aproximar o final do ano sai em busca de um orfanato (casa de apoio), para poder apadrinhar uma criança por causa do natal.
Chegando lá fui apresentado à Rute, assistente social da casa. Eu perguntei se tinha alguma criança para apadrinhar, e foi me informado que sim. Lembro tão bem desse dia, pois chovia muito e as crianças estavam brincando no pátio. Entramos e a Rute parou para conversar com uma cuidadora, quando eu avistei o Kauan pequenino sentado sobre uma mesa. Eu atravessei o pátio e fui até ele como se algo me chamasse para perto dele. Quando me aproximo e tento me comunicar com ele, percebo que ele só sabia falar GLU GLU GLU e com outro agravante de ser cego por conta de uma catarata bilateral congênita.
Bom, esse menino era uma das crianças que estavam disponíveis para apadrinhar. Levei toda documentação e nos tornamos padrinhos afetivo dele. Naquele Natal, ele foi para minha casa e passou conosco Natal e ano novo. Dia 3 de janeiro, depois de 12 dias, fui entregar.
Nunca na minha vida tive o desejo de adotar nem um cachorro, quanto mais uma criança. No carnaval pegamos o Kauan outra vez e um certo momento estava na varanda de casa olhando o mar e eu falei para Gisele "vamos adotar o Kauan?". Ela me respondeu "não vamos conseguir, é muito burocrático". Porém, na outra vez que perguntei "vamos adorar o Kauan?", ela disse "vamos!".
Então, na quinta feira após o carnaval comuniquei à casa que iria entrar com o processo para adoção do Kauan. Contratamos um advogado e começamos. O Kauan faz aniversário em maio e preparamos uma festinha pra ele tudo certo no dia de ir buscá-lo. A juíza não me deixou mais eu ter contato com o Kauan, mas ela na permitia que padrinho afetivo pedisse adoção, por pura maldade, foi um baque pra nós.
Mas não desistimos passamos por cima dessa maldade. O processo rolou, entramos no cadastro nacional de adoção, fizemos entrevista com psicóloga, assistente social do fórum... Nossas vidas foram reviradas do avesso e nada de conseguir a guarda provisória. Passaram-se 10 meses e essa tal juíza saiu do fórum, e o novo juiz nos concedeu a guarda e pude finalmente reencontrar o Kauan legalmente. Mesmo sem poder ter contato, os funcionários da casa deixavam a gente ver ele 10 minutinhos correndo, como se estivessemos fazendo algo absurdo.
Fomos buscar o Kauan e foi uma grande alegria, ele já estava com 3 anos e 7 meses e cego. No dia seguinte marcamos oftalmo, levamos ele, pois aquela juíza nem isso deixava fazer. O Kauan só via vultos e sombras por causa da catarata, e a médica receitou um óculos de 15 graus. Quando ele colocou os óculos no rosto, mesmo ruim ainda, eu vi a alegria no rosto do meu filho por enxergar o pé dele. Marcamos todas as cirurgias e o Dr. Gustavo Bussoti, de Itanhaém, fez a cirurgias no Kauan. Eu devo muito a ele minha vida, pois hoje meu filho nem óculos usa mais.
Mas infelizmente meu filho tem TEA (Transtorno do Espectro Autista), com atraso cognitivo grande. Não sei o porquê, se foi por falta ou perca da primeira infância ou um autismo levíssimo. Enfim passaram-se 3 meses e me ligaram perguntando se gostaría de ficar com a irmã do Kauan, mas que ela tinha uma suspeita de paralisia cerebral, pois a mãe deu a luz com 7 meses na rua e ela ficou em torno de 2 horas com a criança no chão molhado e a criança não oxigênou. Sem pensar e nem falar com minha esposa eu disse "quero". Fui chamada de louco, como assim adotar outra criança, sem saber o que realmente o Kauan tinha e aínda cheia de suspeitas?
Um dia antes da caneta do juiz, ele me pediu um documento. Fui atrás na casa de apoio, quando lembrei que a Ana Paula (era assim que era o nome da minha filha) ia fazer uma ressonância para ver o grau da paralisia. O exame estava pronto, mas não tinha carro para ir buscá-lo,então eu disse "não seja por isso, eu levo", e assim foi feito. Ao voltar pra casa de apoio, me agradeceram e eu brincando disse "obrigado nada, abre isso que quero saber o que esta aí" ela disse que não podia e eu disse "pode sim, nada vai mudar, mas quero saber", então convenci ela a abrir. Ela fez uma cara e me passou, eu li duas linhas do laudo em que dizia que todos os aspectos neurológicos estavam normais. Eu comecei a chorar porque sabia que não, ela não tinha nada sentia isso.
A Isadora tinha 8 meses quando conseguimos a guarda provisória e fomos levando, renovando a guarda a cada 6 meses, até que 9 meses após a chegada da Isa, a minha esposa teve um enfarto fulminante e morreu em 06/09/2015, aos 42 anos. Fiquei desesperado, pois na minha cabeça eu perdi minha esposa e agora iam tirar meus filhos também. Um processo que estava quase concluído voltou tudo para trás porque eles queriam saber se eu teria condições de cuidar sozinho dos meus filhos.
Queimaram a língua, porque além de dar conta, fiz os papéis de pai, mãe, psicólogo, amigo, confeiteiro, palhaço, tudo o que eu podia fazer para suprir a falta da mãe deles.
Então veio o mais desejado dia, em maio de 2017, quando saiu a adoção. Foi uma grande festa, os funcionários do fórum de Bertioga, o promotor, cartorários, faxineiros, todos nós nos abracando e chorando por acompanharam toda a minha angústia.
Mas hoje são meus filhos, ninguém me tira mais a não ser Deus. Hoje refiz minha vida, meus filhos estão felizes e esse é um breve resumo da minha vida, com meus filhos Isadora, perfeita sem problema algum, no 3 ano na escola e o Kauan no 6 ano, com os problemas de aprendizagem dele, mas muito amigo e carinhoso.
Os dois me chamam de papai.
Antes de terminar gostaria muito de agradecer uma pessoa: a mãe biológica dos meus filhos, pois graças à ela tive a oportunidade e a benção de ser pai.
*Fernando Bordignon é pai de Kauan e Isadora.
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