País ainda tem muitas cesáreas. Obstetra Laura Penteado explica que muitas vezes profissional diz que vai fazer parto normal e acaba agendando cesariana
Fernanda Fernandes* Publicado em 16/01/2022, às 06h00
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) a cesariana é uma intervenção efetiva para salvar a vida de mães e bebês quando indicada por motivos médicos, em casos, como por exemplo: placenta prévia, descolamento prematuro de placenta (fora do período expulso), sofrimento fetal agudo, desproporção céfalo-pélvica e herpes genital com lesão ativa.
A OMS considera normal uma taxa de nascimento por cesariana entre 10% e 15%, no entanto, muitos países ultrapassam essa taxa. Atualmente a República Dominicana e o Brasil que lideram o ranking de cesáreas no mundo, com aproximadamente 56% dos partos ocorrendo por meio de cirurgia.
Em entrevista com a Dra. Laura Penteado, obstetra, ginecologista e diretora clínica da Theia, foi possível ter uma visão clara dos motivos que levam o Brasil ser hoje o segundo país com maior número de cesáreas no mundo.
A especialista em saúde da gestante expõe que um dos principais motivos para esse dado é o fato das gestantes não terem uma assistência adequada, e a assistência ser “médico centrada”, na qual a figura central é o profissional e não a paciente.
Após a década de 60, iniciou-se o processo de hospitalização do parto e uma centralização na figura do médico homem. Um processo que gerou um aumento de intervenções para acelerar o trabalho de parto e não respeitou a fisiologia. Como o fato de tirar a mulher da posição vertical, para deitá-la em macas, porque assim, facilitaria a ação do médico", relata a doutora.
A médica complementa também explicando que por um trabalho de parto durar horas, os leitos hospitalares ficam mais tempo ocupados. Dessa forma, com o objetivo de diminuir o tempo de internação da paciente e, principalmente, diminuir o tempo de disponibilidade médica, o uso de ocitocina e realização de episiotomia, tornaram-se frequentes.
Todas essas intervenções provocam dor, diminuem os intervalos entre as contrações, e assim, o trabalho de parto vira um pesadelo para o paciente. Essa dor intensa relacionada ao parto, segundo Laura, gerou medo nas mulheres e culturalmente a cesárea ganhou destaque como um parto rápido e “indolor”. E a equipe médica aproveitou e estimulou esse pensamento.
Ao contrário do parto normal, a cesárea dura no máximo 2 horas, assim, o profissional, não precisa cancelar o consultório de um dia inteiro e consegue agendar o procedimento no horário que lhe convém.
Estudos mostraram que no início do pré-natal 70 % das mulheres desejam parto normal, mas durante a gestação, medos e inseguranças as fazem optar pela cesárea. A função do médico no pré-natal é informar a paciente e acompanhante sobre os benefícios do parto normal e não como o costume de apresentar somente os riscos. Assim, a decisão do parto normal será fortalecida”, comenta Laura.
A obstetra reforça que muito além da saúde, a gravidez e o parto, são dotados de sentimentos, planejamentos e sonhos, sendo um momento único e especial na vida de cada família. Ela explica que este momento exige o devido acolhimento, pois a experiência vivida por esta mulher pode deixar marcas profundas positivas ou negativas em sua vida.
“É fundamental um serviço de saúde qualificado de atenção à gestante, centrado na mulher. Além de um acompanhamento pré-natal adequado, a mulher precisa ser amparada e claramente informada sobre riscos, benefícios e como ocorrem os tipos de parto. E a decisão da via de parto deve ser compartilhada entre a gestante e a equipe de saúde que a acompanha”.
Mas não é isso que ocorre, alguns profissionais escondem informações de seus pacientes e os convencem de que a cesárea é necessária.
Indicações não reais de cesárea como: presença de circular de cordão ao ultrassom, rotura de bolsa fora do trabalho de parto, colonização pela bactéria Streptococcus B, são práticas comuns. O profissional diz realizar parto normal e próximo ao parto usa uma dessas "desculpas" para agendar uma cesariana. A qual será muito mais cômoda na agenda do profissional, não prejudicará o consultório, será em horário comercial. E quando isso ocorre, a paciente que já criou um vínculo com o profissional, opta por não mudar de equipe” relata Laura.
A médica acrescenta dizendo que quando ocorre essas situações quem tem poder aquisitivo para contratar uma equipe de parto consegue selecionar profissionais atualizados e que irão conduzir um parto normal com respeito. Entretanto, quem depende exclusivamente de convênio ou do SUS, nem sempre tem essa possibilidade.
Com o objetivo de ressignificar o parto e transformar mentalidades, um grupo de obstetras em São Paulo uniu-se à healthtech startup Theia para desafiar o modelo tradicional de saúde da mulher vigente no Brasil, em que a maioria das grávidas não têm poder de decisão e protagonismo da sua própria história. Porém, essa transformação só acontecerá de verdade na sociedade se houver a adesão das pessoas, e à medida em que as mulheres têm acesso à informação, dados, pesquisa e uma equipe de médicos especializados e comprometidos com a causa.
Laura Penteado que coordena a equipe de obstetras da Theia, afirma que felizmente nos últimos anos a equipe médica vem se conscientizando da importância e dos benefícios do parto normal.
A violência obstétrica foi escancarada e muitas mulheres passaram a enxergar o quão invasivo e danoso pode ser um parto. Essas intervenções em excesso, como indicar cesárea por motivos não apropriados, utilizar métodos que acelerem o trabalho de parto, porém geram mais dor e sofrimento a parturiente. Sem contar o dano psicológico causado, um momento que era pra ser de extrema alegria se torna um trauma na vida da mulher. Muitas mulheres só perceberam esses abusos anos depois do parto”.
A médica finaliza dizendo que esse processo de conscientização feminina é de extrema importância para mudar este cenário de alta prevalência de cesárea no país.
*Fernanda Fernandes é repórter do Papo de Mãe
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