Papo de Mãe
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A história de Roberto, vítima de alienação parental

“Depois que o Caio nasceu, eu nunca mais dormi sem pensar no Caio e nunca mais acordei sem pensar no Caio. Ele estando comigo ou não é um pensamento constante. Esse é um motivo de muita dor, não de revolta, de muita dor”, lamenta Roberto

Roberta Manreza* Publicado em 05/02/2021, às 00h00 - Atualizado às 13h30

Desde 2012 o Papo de Mãe vem acompanhando o caso de Roberto Portela, um pai de Goiânia que sofre alienação parental há 18 anos e foi impedido de acompanhar o crescimento do filho
Desde 2012 o Papo de Mãe vem acompanhando o caso de Roberto Portela, um pai de Goiânia que sofre alienação parental há 18 anos e foi impedido de acompanhar o crescimento do filho

O lado de quem sofre Alienação Parental

Quando praticado, um mal devastador com graves consequências para crianças, adolescentes e alienado

“Depois que o Caio nasceu, eu nunca mais dormi sem pensar no Caio e nunca mais acordei sem pensar no Caio. Ele estando comigo ou não é um pensamento constante. Esse é um motivo de muita dor, não de revolta, de muita dor”, lamenta Roberto.

O veterinário Roberto Portela, de 53 anos, conta que nunca teve um natal sequer com o filho Caio, de 18 anos. “Uma única vez, em 2011, o natal tinha sido acordado. Ele foi jantar comigo, isso é sórdido, é simbólico também. 11h30 da noite, toca o interfone e era a mãe buscando. Eu nem passei à meia-noite. Sabe aquela história do natal à meia-noite? E aí o Caio se foi com os brinquedos. Parece que tinha uma promessa de um brinquedo melhor”, diz Roberto.

E dia dos pais? Dia dos pais ele explica que conseguiu apenas uma tarde em 18 anos da existência do filho através de uma medida judicial. Foi em 2011.

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“Tudo que eu consegui foi o que eu corri atrás. Eu vigiava a porta da casa, eu ligava para o oficial de justiça e o advogado ia do oficial de justiça para intimar no momento que a pessoa estivesse em casa. Esse movimento é muito do interessado, mais do que do próprio judiciário”, afirma Roberto.

O veterinário revela que foram 18 anos na justiça, com muitos processos desgastantes. Segundo ele,  foram anos e anos de afastamento, falta de convivência, um longo tempo sem poder ver ou falar com o filho único. Para Roberto, a alienação parental tirou o dia a dia com Caio e momentos importantíssimos como o filho, fases de desenvolvimentos de uma criança e de um jovem que não voltarão mais. A infância e a adolescência de Caio se foram, para muito sofrimento do pai.

Primeira infância e paternidade: Rompimento agressivo

Roberto brincando com seu filho com bolinhas de sabão

“Nessa idade da criança, até os 4, 5, 6 anos, existe um investimento parental muito grande. O corpo da mãe se prepara para a maternidade, mas acho que o psicológico do homem também se prepara para a paternidade. Então, o afastamento é doloroso demais, o afastamento dos pais da criança em tenra idade. A gente tem uma esperança, um investimento nessa vida que chegou, então isso é muito agressivo”, comenta o veterinário.

Roberto sorrindo com seu filho no colo

Roberto conta que namorou dez anos com a mãe de Caio. Quando eles se casaram e o filho nasceu, a relação já estava desgastada. Caio tinha 50 dias quando se separaram. Inicialmente não foi impedido de vê-lo, desde que fosse com a presença da mãe já que o filho era recém-nascido. Sem a reconciliação do casal, os encontros com Caio foram se tornando mais difíceis. Quando se deu o divórcio litigioso e denúncias graves começaram a ser feitas, Roberto passou a ser impedido de visitar o filho. Acusação de maus-tratos contra o  filho, que Roberto não sabia como cuidar dele, e acusação de violência doméstica contra a ex-mulher. Os fatos novos no processo não eram comprovados, mas até a apuração, Roberto ficava meses afastado do filho. Voltava a vê-lo e mais proibição das visitas. De acordo com Roberto, foi assim até os 3 anos e meio do Caio.

Roberto com seu filho no colo

Quando o filho completou 4 anos, veio a acusação de violência sexual contra Caio. A partir daí, Roberto ficou 4 anos sem ver o filho. Ele não teve contato com o filho até ele fazer 8 anos de idade. Para Roberto, Caio foi impedido de se relacionar com ele, de ter a figura paterna presente na vida dele e a presença da família paterna, tão rica, também foi negada.   Sempre que a gente encontra, que a gente lembrava de alguns momentos dessa fase, os registros que ele guarda, são registros das brincadeiras, do meu pai, o carrinho do picolé passando na porta de casa, isso está marcado no coração do Caio para toda a existência dele. Mas eu tive uma criação exemplar, tive uma família que não era disfuncional, pais que se casaram jovens e permaneceram casados dialogando por 40 ano , então eu imagino, que o Caio perdeu essa convivência. Respirar essa atmosfera. Isso ele perdeu”, afirma Roberto.

Roberto Portela no Papo de Mãe em 2012

Da depressão ao ato impensado de desafiar a juíza em pleno shopping

O veterinário fala que algumas fases chegou a ficar muito angustiado, com depressão e não conseguiu encarar as batalhas nos tribunais intensamente, que não tinha estrutura emocional. Em outros períodos, porém, se reergueu e lutou ativamente para conseguir ter de volta o direito de visitar o filho. Eu desafiei a juíza em pleno shopping. Eu estava muito machucado, a vi por acaso. E o início para eu voltar a ver o Caio foi esse. Eu argui a juíza em público, em um local público. Quantos anos mais eu vou ficar sem ver meu filho? Ela ficou desestruturada, me deu uma correção ali no momento. Disse que ela não poderia saber qual era o meu processo porque ela tinha 15 mil processos. Eu nem lembro como eu fiz isso. Mas eu olhei na cara dela, apontei o dedo para ela e falei: A senhora sabe sim qual é o meu caso, porque desses 15 mil o meu é o mais injusto”, relata Roberto.

A partir disso, segundo o veterinário, a juíza o recebeu. Ela solicitou um laudo. Uma junta de psicólogos fez um laudo psicossocial que até então não tinha sido feito. A ex-mulher, conta Roberto, anteriormente, barrou duas tentativas de peritos indicados pelo juiz. O trabalho foi realizado por três terapeutas em 8 a dez encontros. A partir desse laudo a juíza  concedeu a volta regular das visitas. Dez dias depois, ele voltou a ver o Caio. O modelo que ficou determinado pela juíza era todos os sábados para manter uma constância. O dia todo. Sem alternância. Conviveu com o Caio mais um ano e meio, o processo da vara de família não estava encerrado, e a ex-mulher fugiu da cidade, mudou-se sem avisar à justiça. Ficou sem contato algum.

Roberto Portela no Papo de Mãe em 2018

A adolescência: preocupação com os questionamentos da idade

Foram seis meses sem notícias. Coincidentemente, um grupo de pessoas da cidade de Roberto, Goiânia, se mudou para o interior de Minas Gerais e por acaso soube que a família da ex-mulher estaria lá.

Mesmo localizando o paradeiro do filho, as dificuldades dos encontros continuaram. Primeiro a distância, 14 horas de viagem entre as duas cidades. Depois foi impedido de vê-lo novamente e tentar resolver a questão na justiça também ficou mais complicada por causa dos dois Estados envolvidos.

E explica, de Goiás, para Minas e até a ex-mulher ser notificada, até ela ser ouvida, já faz três anos que não vê o Caio. “Entre o juiz ouvir a parte e fazer isso cumprir, tem um lapso muito grande em qualquer processo, qualquer instância demora”, comenta Roberto.

O veterinário se diz preocupado com a fase da adolescência do filho. Eles sofreram alienação parental. Segundo Roberto, Caio nunca acusou ele de nada, o filho nunca cobrou ele de nada. “Caio sempre me recebeu, recebeu a avó e a bisavó como se fossem parentes muito queridos que estavam fazendo uma visita, se não tivesse nada no entorno. Mas a partir do momento que a gente notava a fragilidade da mãe ao perceber esse contentamento dele conosco, no segundo, terceiro dia de visita ele já tinha um retraimento. Via o caio confuso”, lamenta o veterinário.

Roberto reflete sobre o que aconteceu com ele e o que acontece com outros pais. “A criança, ela cresce muitas vezes com uma grande dúvida, ou uma grande pergunta existencial e essa pergunta, ela sendo respondida por quem tiver mais acesso a ela, de acordo com a fase de desenvolvimento da criança. O genitor alienador vai inserir na vida dessa criança as informações que ele acha coerente. Eu tinha muita preocupação depois que o Caio passasse dos 15 anos deu estar próximo dele, para quando ele quisesse me perguntar alguma dúvida que talvez ele tivesse, e foi justamente nesse período que a gente perdeu o contato”, constata o veterinário.

Mesmo com todas essas rupturas e todas as dores causadas pela alienação parental na vida dele e na do filho, e todas as consequências que elas trouxeram ao longo desses 18 anos, se apega nos bons momentos que teve com o filho para olhar para o futuro. “Ele teve nos primeiros 4 anos de vida uma convivência muito rica comigo e com os avós. Uma convivência dessas de marcarem você para toda a sua vida. Eu sei que isso vai ser suporte para ele”, finaliza Roberto.

Nenhuma acusação contra Roberto foi comprovada.

Leia aqui a reportagem especial “Embate nos tribunais: Lei Maria da Penha X Lei da Alienação Parental”. 

Leia aqui a história de *Joana, vítima de violência doméstica. 

*Roberta Manreza é jornalista e apresentadora do Papo de Mãe

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