A opinião da sexóloga Lelah Monteiro sobre a polêmica em torno do filme de Danilo Gentili e o debate sobre abuso sexual infantil
Redação Publicado em 16/03/2022, às 10h09 - Atualizado em 17/03/2022, às 06h00
A polêmica do momento envolve o filme “Como se Tornar o Pior Aluno da Escola”, com a participação de Danilo Gentilli e Fábio Porchat. Lançado em 2017, já tinha causado discussões acaloradas por, supostamente, incentivar o bullying. Sua entrada em fevereiro deste ano para o catálogo da Netflix reacendeu as discussões.
Entre outras questões, uma cena, em específico, tem causado controvérsia. Nela, o personagem vivido por Fábio Porchat, nitidamente portador de graves desvios sexuais, ao tentar “conciliar” dois meninos adolescentes que brigavam, propõe como “paga” pelo “favor”, que estes o masturbem.
Quem defende o filme alega tratar-se não de uma apologia, mas de uma crítica à pedofilia. Mas, em minha opinião, toda a sequência é de um extremo mal gosto, e em nada contribui para alertar
ou conscientizar sobre o assédio / abuso sexual a menores de idade. Trata o tema como piada, minimizando sua gravidade.
Vale lembrar que o filme tem classificação indicativa de 14 anos e nessa faixa etária os adolescentes ainda estão em fase de formação da personalidade e de descoberta da sexualidade. Fazer rir de um assunto tão sério e grave como
a pedofilia com certeza não é o melhor caminho para ajudá-los nessa fase e em
nenhuma outra. É banalizar um crime que, de acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) 2019, divulgada em setembro de 2021 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), vitimou 14,6% dos adolescentes brasileiros. Ou seja, 1 em cada 7 adolescentes sofreu abuso sexual alguma vez na vida em nosso país.
Defendo a liberdade de expressão artística. Sei que o humor presta um enorme serviço chamando atenção para muitos problemas que afligem nossa sociedade. Não se trata de ser moralista. Eu, como terapeuta e sexóloga defendo, mais do que ninguém, a necessidade de falarmos sobre sexualidade de forna aberta e sem tabus. Defendo a importância da educação sexual mas escolas. Mas, nesse caso, faltou bom senso e cuidado no tratamento de um assunto tão delicado. O que destoa, inclusive, da trajetória artística e posicionamento do excelente Fabio Porchat frente a vários temas importantes. E isso não é pra rir, é pra chorar.
A produção do filme errou feio e deveria reconhecer isso. Quem sabe até se comprometendo voluntariamente com uma campanha que realmente conscientize nossa sociedade sobre a questão da pedofilia.
Que tal abraçar essa ideia, Fabio Porchat?
*Lelah Monteiro é psicanalista, sexóloga e fisioterapeuta (www.lelahmonteiro.com.br). Atua em seu consultório em Perdizes (São Paulo, SP) como educadora sexual; terapeuta individual, de casais, de família e sexual. Atende presencial e online.