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Água e sabão ou álcool em gel? O que é melhor para as crianças?

A especialista em saúde pública Damaris Gomes Maranhão chama a atenção para vários pontos que não podem ser esquecidos, ainda mais na pandemia. E o que é melhor? Lavar as mãos com água e sabão ou usar álcool em gel?

Damaris Gomes Maranhão* Publicado em 23/03/2021, às 00h00 - Atualizado às 15h45

O hábito de lavar as mãos precisa começar cedo
O hábito de lavar as mãos precisa começar cedo

Antes da pandemia, alguns cuidados já deveriam fazer parte da rotina das crianças, como lavar as mãos com água e sabão ao chegar em casa ou na escola, antes de comer, após o uso do sanitário.

Ao cuidar das crianças, as famílias e os professores ensinam por meio das atitudes e dos procedimentos de cuidados com a participação delas, que observam e experimentam. Uma professora documentou certa vez, em uma escola de Guarulhos, várias cenas de cuidados que as crianças imitavam com seus bonecos e com os colegas, evidenciando como elas percebem as atitudes e técnicas do cuidado e por meio desse processo aprendem sobre ciências biológicas, sociais, arte e cultura (Maranhão, Zóia, 2020).

As crianças também aprendem e constroem hábitos saudáveis por meio da vivência dos mesmos, pela oportunidade de participar do cuidado de si, do outro e do ambiente, de acordo com seu desenvolvimento real e potencial. Por exemplo, em relação à higiene de mãos, acesso às pias, sabonete líquido e toalhas instalados de forma que sejam acessíveis, na altura delas, e também considerando a distância entre seu braço para que seja possível abrir e fechar a torneira.

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Desde os primeiros meses de vida, bebês podem ter suas mãos ensaboadas e esfregadas pelo professor/familiar após cada troca de fralda. Aos poucos associarão esse momento de higiene íntima com a higiene das mãos em seguida. Esse cuidado reduz a microbiota transitória acumulada até aquele momento. Isso ajuda a construir um hábito saudável e também diminui a contaminação de superfícies tocadas pelas mãos, como brinquedos, mesas, alimentos, roupas.

As crianças e os adultos aprendem os cuidados de si, do outro e do meio, por meio da percepção, atenção, imitação, repetição, movimentos, linguagem, pensamento, imaginação, como todas as outras aprendizagens.

Água e Sabão ou álcool em gel?

Percebemos que a recomendação da higiene de mãos com álcool em gel passou a predominar no discurso sobre os protocolos de segurança nas escolas.

No processo de escrever esse texto, recordei umas cenas de uma reportagem que assisti em um canal popular de televisão sobre o retorno das crianças às escolas. Uma garotinha de cerca de 5-6 anos, usando corretamente a máscara, chega à escola e logo na entrada passa por um ritual: um adulto mede a temperatura com termômetro de aproximação no antebraço e outro a recepciona depositando em sua mão uma porção de álcool em gel que ela esfrega rapidamente apenas nas palmas das mãos. Entrevistada pela jornalista, ela mostra no bolso da lateral da mochila outro pequeno frasco contendo álcool em gel. A jornalista, ao concluir a entrevista e sair do prédio, também aciona com a mão o dispenser de álcool em gel fixado na porta e esfrega o antisséptico de forma muito rápida apenas nas palmas das mãos.

Ou seja, o público que assiste ao programa recebe mensagens subliminares que contribuem para o uso inadequado desse antisséptico que parece ter virado um amuleto contra Covid-19, ainda que de forma inadequada. Embora as pessoas às vezes precisem de rituais que as tranquilizem, a escola é em si uma instituição que tem como principal objetivo educar os cidadãos com base na ciência. Da mesma forma, um comunicador social como a jornalista contribui ou não para a construção de conhecimentos protetores de todos os cidadãos. Para tanto, devem estar atentos às próprias práticas.

A mensuração da temperatura com o termômetro digital no antebraço da criança, além de ser insuficiente para observar o estado de saúde das crianças na entrada da escola, usa uma técnica inadequada ao tipo de dispositivo após Fake News que a aproximação temporal (da testa) era “perigosa”.

A ênfase no uso de álcool em gel em substituição à lavagem de mãos, embora facilite no local e horário de entrada, evitando acúmulo de crianças e adultos em torno da pia e reduzindo o consumo de água e papel, deveria, no mínimo, ser realizada e ensinada às crianças pelo exemplo e orientação dos adultos que mostrariam a técnica correta, que requer uma ação mecânica no ato de esfregar todas as superfícies das mãos, por um tempo superior à empregada com água e sabonete.

A história da criação do álcool em gel por uma enfermeira espanhola é interessante, pois ele pode ser um bom recurso para situações em que não haja possibilidade imediata, próxima de acesso à água corrente e sabão, como numa situação de assistência imediata no pronto-socorro de vários pacientes que são recebidos em estado crítico necessitando de reanimação imediata.

“As crianças precisam aprender com o exemplo e orientação dos adultos que o álcool não substitui a higiene completa das mãos com água e sabão líquido, além de necessitar ser bem friccionado por um tempo maior, nas palmas, entre os dedos, dorso, pulsos, pontas dos dedos”(DGM)

Algumas crianças, conforme me relatou a professora, sobretudo as dos primeiros anos do ensino fundamental, saem saltitando e correndo em direção aos dispensers de álcool em gel, acionando-o rapidamente e passando ligeiramente o antisséptico entre as mãos, pois já aprenderam que esse é o ritual de término de cada aula.

Outro dia, quando a professora estava finalizando a aula de música para aproximadamente 20 crianças, uma delas correu em direção ao dispenser e logo depois começou a chorar, pois, a ejeção da solução antisséptica atingiu os olhos, o que pode causar queimadura química e sequelas. Ela imediatamente chamou uma colega para ajudá-la, pois não poderia deixar as outras crianças sozinhas no pátio para levar o garotinho até uma fonte de água limpa corrente para lavar seu olho, ou seja, prestar um primeiro socorro.

Ilustração de uma criança passando álcool em gel e outra chorando
Ilustração de Manuela Diniz Maranhão, de 11 anos 

Esses acidentes têm ocorrido também quando as crianças acionam intencionalmente ou por brincadeira um totem que geralmente ejeta o álcool a 70% na altura dos olhos das crianças, dependendo de seu tamanho/idade. Além desse risco, me pergunto, “O que essa geração está de fato aprendendo sobre higiene de mãos? Quais exemplos os adultos têm sido para elas?”

O álcool em gel tem se tornado um amuleto com função mais tranquilizadora dos pais e professores do que uma efetiva medida de higiene das mãos…

*Damaris Gomes Maranhão é enfermeira Especialista em Saúde Pública UNIFESP/USP, Dra em Ciências da Saúde pela UNIFESP, Professora do Instituto Superior de Educação Vera Cruz, Consultora do CEDUC e Formadora no Instituto Avisalá, Mãe do Bruno e da Melissa, avó da Clara.

Manuela atrás de um bolo de aniversário
Manuela, parabéns pelo aniversário de 11 anos e por seu talento

**Manuela Diniz Maranhão, de 11 anos, é ilustradora e sobrinha de Damaris

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