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Bela Gil e Ariela Doctors lançam o projeto “Cozinhas & Infâncias”

Ariela Doctors e Bela Gil falam do projeto “Cozinhas & Infâncias”, que visa levar educação alimentar para as escolas

Fernanda Fernandes e Maria Cunha* Publicado em 18/04/2022, às 08h05

Equipe do Instituto Comida e Cultura - Divulgação: Comidas & Infâncias
Equipe do Instituto Comida e Cultura - Divulgação: Comidas & Infâncias

“Criança como sujeito, alimento como objeto, e Brasil como espaço” esse é o lema do Instituto Comida e Cultura (ICC), que tem como missão reconectar as crianças ao alimento, por meio de um resgate lúdico da história, cultura e biodiversidade do Brasil.

Idealizado e coordenado por Ariela Doctors - educadora, comunicadora e chef de cozinha - o ICC visa promover a reconexão integral e multidimensional com o tema da alimentação e, para isso, trabalha com educadores e demais atores envolvidos no desenvolvimento integral das crianças.

Além de Ariela, o Instituto conta com a participação de outras grandes mulheres, são elas: Bela Gil (chef, culinarista e apresentadora nutricional), Daniella Brochado (engenheira química, cozinheira e pesquisadora), Erika Fischer (administradora e gestora de políticas públicas) e Juliana Furlaneto (bióloga, educadora e comunicadora).

As integrantes do Instituto Comida e Cultura
As integrantes do Instituto Comida e Cultura

Assista a entrevista completa com Ariela Doctors e Bela Gil

Neste ano, incentivadas pela vontade de levar a educação alimentar para as escolas e alcançar mais crianças, a equipe do ICC começou a desenvolver um curso de formação de educadores, denominado “Cozinhas & Infâncias” e orientado por Bela Gil.

O curso será um espaço de troca de conhecimentos e propõe inovar e instrumentalizar os professores e demais atores envolvidos no desenvolvimento integral das crianças para reconectá-las ao alimento por meio de práticas culinárias.

No primeiro semestre de 2022, os conteúdos do curso serão validados, junto aos educadores e educadoras de duas escolas de São Paulo, uma da rede pública de ensino, a EMEI Dona Leopoldina e outra particular, a Camino School, além de profissionais ligados à plataforma de educação Cloe.

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Tendo início no dia 14 de fevereiro, o  projeto conta com a parceria do Instituto de Estudos Avançados (IEA) para avaliação dos resultados, com instrumentos desenvolvidos pela Faculdade de Saúde Pública da USP. O intuito é coletar dados que comprovem a eficácia do método e possibilitar a ampliação da proposta para mais escolas no Brasil. 

Para conhecer um pouco mais sobre o projeto “Cozinhas & Infâncias”, o Papo de Mãe realizou uma entrevista com Ariela Doctors e Bela Gil. A conversa foi muito importante para entendermos os principais objetivos da iniciativa e conseguirmos enxergar o alimento por uma outra perspectiva. 

O projeto Cozinhas & Infâncias

De acordo com Bela Gil, o objetivo geral do “Cozinhas & Infâncias" é conseguir, em algum momento, colocar a educação alimentar no currículo escolar, mas isso leva tempo. Por isso, a ideia inicial é trabalhar e fazer cursos de formação de professores para que, no futuro, seja possível trabalhar presencialmente nas escolas, levando as crianças para cozinha e trazendo uma perspectiva mais prática. "A gente plantou a sementinha e vamos ver no que vai dar", comenta a apresentadora. 

Ariela Doctors diz que, para elas, nesse momento, quando parece que está tudo destruído e sendo desmontado, é importante valorizar o que é de fato brasileiro. 

"O Brasil é um país de dimensões continentais. Não tem um prato único que possa representar a cultura brasileira. Então, dependendo da região, a gente tem ali uma biodiversidade importante que deve ser trazida à mesa", pontua a educadora. 

Além disso, Ariela lembra que não há uma dieta específica que seja a mais saudável. Tudo irá depender de onde o indivíduo vive, qual é o território e o que tem ali perto dele. 

Ela também comenta que é importante a gente pensar em temas como esse e diminuir as cadeias de produção e de distribuição dos alimentos, porque o que escolhemos para colocar no nosso prato, impacta também no meio ambiente. 

"Quanto menos transportes a gente utilizar e quanto mais a gente fomentar o comércio local e preferir comprar de pequenos produtores, a gente vai estar ajudando a ter uma soberania alimentar e trazendo para o prato a nossa cultura e ancestralidade". 

Assim, a educadora explica que ao resgatar as receitas da vovó, as receitas que eram feitas pela tia e eram feitas naquela região pelas famílias tradicionais, acabamos trazendo essa cultura para dentro do nosso prato e da nossa casa.

Alimentação saudável através da educação

Para reconectar o povo brasileiro ao alimento, o “Cozinhas & Infâncias" optou pelo caminho da educação que, segundo Bela Gil, é a nossa resposta, ou seja, a maneira mais efetiva de mudar a percepção cultural do que é alimentação saudável. Entretanto, a apresentadora nutricional ressalta que ao falar em algo saudável, é preciso enxergar o alimento de forma global e integral, de forma que faça bem para o nosso corpo e para a saúde da criança, mas que também traga benefícios para quem o produz e para o meio ambiente. 

"Acho que é muito importante para as crianças, a geração futura, entender que a gente também tem uma certa responsabilidade em relação ao nosso comportamento e como ele impacta o meio ambiente. Sem esse planeta funcionando bem, a gente não sobrevive, então trazer isso para elas é um investimento para o futuro, é a única maneira que a gente tem de construir hábitos saudáveis". (Bela Gil)

Ela ainda reforça que é muito mais fácil educar do que reeducar. Por isso, para um adulto que tem hábitos alimentares que não são considerados saudáveis e que quer mudar por questões diversas, mas principalmente de saúde, é muito mais difícil. 

"As pessoas reclamam que queriam ter crescido acostumadas a comer vegetais, salada, comida saudável e não viciadas em ultraprocessados e em açúcar. Então, eu acho que é essencial a educação como ponto de partida para uma construção de uma boa alimentação, de uma base alimentar e de uma cultura alimentar saudável para nossa população".

A importância de se conectar com o alimento

Ariela Doctors explica que, partindo do pressuposto que precisamos enxergar o alimento de forma global para ter uma alimentação saudável, o vínculo com o alimento é essencial. Em contrapartida, o que é enxergado pelas chefs de cozinha é que as crianças estão tão desconectadas que às vezes não sabem nem de onde a comida vem. 

"Elas olham para um leite de caixinha e acham que o leite veio de dentro da caixa, não conectam, não sabem que tem uma vaca, que tem um lugar que tem que tirar o leite. Ou, elas vêem uma cenoura na bandejinha e não sabem que a cenoura foi plantada na terra", diz a educadora. 

Isso, de acordo com Ariela, corresponde não só a crianças que não têm acesso à informação, mas a todas elas, o que justifica o projeto contemplar educadores de escolas públicas e privadas, que passarão esse conhecimento aos seus alunos. Outra questão é saber o que acontece com o que é descartado, porque isso não é falado e se trata de uma questão de educação. 

"Eu costumo dizer sempre para as crianças: Como é que a gente vai fazer com esse lixo? Elas respondem que 'põe em um saquinho e põe pra fora'. Para fora de onde? A gente não mora todo mundo dentro do mesmo planeta, para onde está indo isso? O lixo simplesmente não desaparece, ele vai, provavelmente, para um lixão a céu aberto começar a causar um monte de problemas, como a emissão de gases que estão trazendo o aquecimento global". 

Por isso, o projeto deseja mostrar para as crianças todo esse caminho, para que elas possam entender como é que as coisas estão conectadas. E, é por meio do alimento, de aprender a cozinhar, que elas acreditam que seja a forma mais eficaz de trazer todas essas conexões. 

"Tudo isso, pode ser feito cozinhando, praticando dentro da cozinha, isso encanta as crianças. Eu não vou fazer esse discurso que eu estou fazendo aqui para uma criança, porque ela vai desligar e não vai mais querer ouvir. Agora, se a gente for fazer um bolo junto, um refogado, tirar a cenoura da horta e começar a descascar, por meio da experiência em si, ela aprende, absorve. As crianças são muito esponjas". (Ariela Doctors)

O curso

Inicialmente, a ideia era que o “Cozinhas & Infâncias" fosse um curso 100% presencial nas escolas. Mas, com a pandemia, as idealizadoras do projeto entenderam que uma versão híbrida seria mais eficaz, atingiria mais escolas e, consequentemente, mais crianças. O objetivo agora é alcançar o Brasil inteiro com um curso online. 

"A gente ficou pensando em como a gente iria fazer, porque é uma matéria que nós temos uma metodologia para ministrar, mas ao mesmo tempo ela não existe nas escolas e nem está nem dentro dos currículos. O povo tem arte, música, dança, várias matérias artísticas e a culinária não tem. E a culinária é um tipo de arte. Então, como é que a gente faz se não tem pessoas formadas para dar esse tipo de aula?", explica a educadora Ariela Doctors. 

Foi aí que surgiu a ideia da formação de educadores de várias matérias, que aprendessem e fossem sensibilizados por essa temática. Dessa forma, a escola e todos os professores envolvidos no processo alimentar da instituição e das crianças também teriam mais autonomia para replicar o conteúdo. 

"O nosso objetivo como projeto é fazer uma formação de dois anos com os educadores, para que eles possam absorver isso e inserir a educação alimentar na sua sala de aula, no seu currículo, independente da disciplina que eles ensinam e da maneira que acharem mais confortável", completa a apresentadora nutricional Bela Gil. 

Ariela também lembra que a culinária é uma matéria que pode permear o currículo de várias maneiras, é multidisciplinar, e para falar de alimentação há muitas nuances e fatores envolvidos, o demonstra a necessidade de uma discussão intersetorial. 

A primeira reunião do "Cozinhas & Infâncias"

O encontro inicial do projeto aconteceu no dia 14 de fevereiro, na EMEI Dona Leopoldina e teve a presença não só dos educadores das duas escolas e dos coordenadores e gestores, mas também fisicamente e virtualmente de conselheiros da iniciativa, pessoas atuantes dentro do universo da alimentação e que estão apoiando o projeto. Uma professora da Faculdade de Saúde Pública da USP também esteve no local. O cardápio ficou por conta do Camélia Òdòdó, restaurante de Bela Gil. Ariela contou que trazer os pratos do local foi também uma forma de levar para os participantes do evento algo mais palpável e real do alimento em si. 

“A gente tem 45 educadores inscritos neste primeiro curso e a ideia é construir junto com eles. Nós temos uma metodologia, mas queremos, nesse primeiro momento, validar todos os nossos conteúdos com esses professores e depois fazer uma formação mais abrangente, com mais educadores”, pontua Bela. 

Além dos encontros virtuais, ocorrerão mais três reuniões presenciais, nas quais a ideia é exercer funções práticas, ou seja, aprender a cozinhar e colocar as mãos nos alimentos. Tudo isso, sempre com o objetivo de levar o conhecimento para as crianças. 

A primeira reunião do projeto Cozinhas & Infâncias
A primeira reunião do projeto Cozinhas & Infâncias

A recepção dos educadores 

“Eu não sei se a gente teve a coincidência de estar com duas escolas que são muito preocupadas com o tema da alimentação, mas a recepção foi muito boa e, pelo menos em relação às minhas expectativas, foi melhor do que eu esperava”, conta Bela Gil. 

Ela revela que ficou surpresa com a vontade dos educadores de se aprofundar no tema. Apesar de ser um curso de formação de educadores, para eles passarem os conteúdos para as crianças, a apresentadora comenta que eles irão levar muito desse conhecimento para a vida pessoal. 

“Tem pessoas perguntando como ter uma alimentação mais saudável em relação a essa oferta de produtos ultraprocessados que temos. A gente vê uma vontade genuína de cada indivíduo, de cada um dos educadores, em melhorar e se aprofundar no tema da alimentação”.

Bela ainda diz que a paixão, quando os professores são mordidinhos pelo bichinho da curiosidade, de como é que faz para melhorar a alimentação de todo mundo, a minha, a do próximo, os efeitos são visíveis, palpáveis e sensoriais, você se sente melhor quando você muda sua alimentação. Na opinião de Bela, isso é o que move os educadores a passar as informações com mais entusiasmo para as crianças. 

Ariela finaliza ao reforçar que todo o trabalho que o Instituto está realizando é uma ação conjunta e precisa ter, além das escolas, a colaboração e o entendimento por parte dos outros atores envolvidos no desenvolvimento integral das crianças, o que inclui os pais, avós, tios e irmãos. Todos têm que estar juntos na mesma vibração.

“O Instituto pensa em chegar também nesses outros atores e vocês são um veículo importante para a gente chegar nas mães, afinal a gente está no Papo de Mãe”. 

ICCCozinhas & Infâncias

*Fernanda Fernandes e Maria Cunha são repórteres do Papo de Mãe 

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