Entenda os avanços e retrocessos nas leis que concedem os direitos de trabalho das trabalhadoras gestantes durante a pandemia
Claudia Abdul Ahad Securato* Publicado em 29/03/2022, às 07h53 - Atualizado às 10h00
No dia 20/03/2020 foi publicado o Decreto Legislativo n.º 6, que reconheceu a ocorrência do estado de calamidade pública, em razão da pandemia da COVID-19 e uma das primeiras medidas tomadas pelos governos estaduais foi o fechamento das escolas e a determinação do isolamento social.
Sendo assim, as mulheres se depararam do dia para a noite com a necessidade de trabalho home office, filhos em casa, tarefas domésticas a serem realizadas, tudo sem qualquer ajuda. Ainda, no caso das atividades que não podiam ser realizadas à distância, como é o caso das empregadas domésticas, ou aquelas em que trabalhavam em atividades essenciais, como farmácias, supermercados, postos de gasolina, dentre inúmeras outras, se viram em uma situação em que precisaram pedir demissão por não ter com quem deixar as crianças, tendo em vista o fechamento das escolas, ou ainda, acabaram sendo demitidas já que não tinham como trabalhar à distância e o isolamento social não permitia o trabalho presencial, no caso de atividades não essenciais.
Em uma situação ainda mais delicada ficaram as gestantes em um limbo legislativo desde a decretação do estado de calamidade pública, em março/2020, até a promulgação da Lei nº 14.151, que entrou em vigor no dia 13/05/2021, ou seja, mais de um ano depois. Essa Lei concedeu à empregada gestante o direito de trabalhar em casa, independentemente da idade gestacional, durante o período da pandemia da Covid-19, sem prejuízo do recebimento do salário. No entanto, gerou inúmeras controvérsias.
Nos termos da lei, a empregada deveria permanecer à disposição do empregador em domicílio por meio do trabalho remoto, em teletrabalho ou outra forma de trabalho à distância. Contudo, a lei não tratou especificamente da situação em que a atividade exercida pela gestante, por sua natureza, não fosse compatível com o trabalho em domicílio. Assim, foi aplicada a toda e qualquer empregada, independentemente da impossibilidade de trabalhar em domicílio. Ainda com a possibilidade de vacinação prioritária das gestantes contra a Covid-19, a lei foi omissa, já que não definiu se as grávidas vacinadas poderiam ou não voltar a trabalhar presencialmente.
Assim sendo, por mais que o objetivo da lei fosse proteger as gestantes, gerou efeito contrário, atrapalhando a inserção e recuperação do status das mulheres no mercado formal de trabalho, já que, com a sanção da lei, o governo acabou transferindo para o empregador um ônus de arcar com 100% do pagamento, ainda que a gestante não tivesse a possibilidade de realizar o trabalho remoto e ficasse afastada.
Vale ressaltar que, mesmo antes da pandemia, as mulheres já sofriam com a desigualdade de gênero, que é um problema histórico e uma questão advinda do machismo estrutural no país. Pesquisas demonstram que quase 50% das mulheres brasileiras ficam sem empregos no primeiro ano após o parto, tanto pelo fato de serem demitidas quanto por optarem em ficar em casa para cuidar dos filhos, o que comprova que culturalmente as famílias brasileiras ainda assumem que esse é o papel da mulher.
A redação falha e omissa da Lei 14.151/2021 causou enorme insegurança jurídica, prejuízos à manutenção dos empregos das gestantes e por consequência na contratação de mulheres em idade fértil, com enorme retrocesso à vida profissional e ao contexto familiar.
Esses problemas existentes acabaram sendo agravados pelo isolamento social, já que na grande maioria dos lares são elas as responsáveis exclusivas pelas tarefas domésticas e, com as escolas fechadas, acabaram assumindo a responsabilidade também de acompanhar as aulas dos filhos, o que contribuiu com a perda de vagas no mercado formal de trabalho, que acabou sendo muito maior que a dos homens e, atualmente, enfrentam mais dificuldades de serem recontratadas.
Como medida de retorno à normalidade, em março de 2022 foi sancionada a Lei 14.311/22, que muda as regras sobre o trabalho de gestantes durante a pandemia, prevendo sua volta ao regime presencial após imunização.
Essa Lei significa um importante avanço no que diz respeito a manutenção de empregos das gestantes e a contratação de mulheres em idade fértil em um cenário pós pandemia. Com a entrada em vigor da nova lei, os empregadores terão mais segurança jurídica, principalmente nos casos em que as atividades presenciais da empregada gestante não podem ser exercidas remotamente, já que retira do empregador o ônus de manter o salário dessa empregada, sem que ela preste o serviço.
Além disso, de acordo com o texto da lei, a gestante que se recusar a ser imunizada de modo injustificado e ao mesmo tempo se recusar a retornar ao trabalho presencial poderá ser advertida, suspensa e, em última hipótese, ser dispensada por justa causa. Isso pois, tal atitude poderia ser enquadrada em uma das hipóteses legais de aplicação da dispensa por justa causa previstas no artigo 482 da CLT, semelhantemente à indisciplina ou insubordinação.
Por outro lado, é importante ressaltar que grávidas com risco de gravidez ou situações atípicas e que tiverem recomendação médica podem continuar afastadas de suas atividades.
Com a total imunização da população brasileira, a vida precisa retomar a normalidade e as pessoas precisam e querem voltar a trabalhar. Portanto, a Lei 14.311/22 acabou ajustando uma situação e beneficiando tanto os empregados quanto os empregadores ao trazer segurança jurídica para as relações de trabalho, e afastar a barreira à contratação de mulheres em idade fértil, em um momento que a retomada das atividades econômicas precisa acontecer e as mulheres precisam retomar seus postos de trabalho e reconquistar seus espaços.
*Claudia Abdul Ahad Securato, Sócia Oliveira, Vale, Securato e Abdul Ahad Advogados. Professora na Saint Paul Escola de Negócios. Mestranda em Direito dos Negócios pela Fundação Getúlio Vargas.
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