Advogados respondem as principais dúvidas e questões sobre o reconhecimento de paternidade dentro da lei
Dr.Douglas Ribas Jr.* e Dr.Carlos Alberto Santana** Publicado em 12/04/2022, às 06h00
Em recente artigo que publicamos aqui no Papo de Mãe, pontuamos que o número de divórcios no Brasil aumentou sobremaneira em 2021, se comparado ao que se verificou no mesmo período em 2020.
Ao analisarmos estatísticas sobre Direito de Família, dois outros fatos nos chamaram atenção: (i) nesses tempos de pandemia, houve um aumento significativo de registro de crianças cujas certidões de nascimento contam exclusivamente com os nomes das mães e (ii) nos últimos dois anos o reconhecimento de paternidade teve marcante queda.
Dados disponíveis no Portal da Transparência do Registro Civil demonstram que em 2020 e 2021 mais de 320 mil crianças foram registradas sem os nomes dos pais, o que equivale a 6% dos nascimentos no Brasilem tal período. Em paralelo, caiu mais de 30% o número de reconhecimentos de paternidade com relação ao ano que antecedeu o início da pandemia. Motivados pelos tristes e expressivos números acima indicados, ratificados pela nossa percepção decorrente do exercício cotidiano da advocacia, elegemos como cerne desse artigo a ação de reconhecimento de paternidade e alguns dos seus principais desdobramentos.
A ação para reconhecimento de paternidade cabe ao filho, se maior de idade. Se porventura ainda menor, deve ser assistido ou representado por sua mãe. Se falecido o pretenso filho, o direito passa aos seus herdeiros.
Possuem ainda legitimidade para o ajuizamento dessa ação o Ministério Público, como também o pai que deseja confirmar sua paternidade.
De se notar que de acordo com voto proferido pela ministra Nanci Andrighi, em junho de 2021, a terceira turma do STJ admite que os netos do genitor pré-morto ajuízem referida ação, caso o próprio falecido não tenha pleiteado a investigação da sua origem paterna, sendo irrelevante o fato do registro ter sido providenciado por outra pessoa que não o genitor.
Por certo que se o pai desejar o reconhecimento de paternidade, pode dispensar a ação judicial, fazendo o reconhecimento até mesmo através de testamento, voluntariamente.
Nos termos da lei(8.560/1992) que regulamenta a investigação de paternidade de filhos havidos fora do casamento, todos os meios legais, bem como os moralmente legítimosserão hábeis para provar a verdade dos fatos, no entanto, a recusa do réu (suposto pai) em se submeter ao exame de código genético - DNA gerará a presunção da paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório.
Corroborando os dizeres da lei, há quase duas décadas o Superior Tribunal de Justiça já se posicionou sobre o tema, através da Súmula 301 que assim dispõe:
“Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade.”
Portanto, a inércia do réu nãolhe traz benefício, muito pelo contrário.
Ora, o objetivo da ação de reconhecimento de paternidade é comprovar determinada relação de parentesco, no caso, entre pai e filho. Procedente tal ação, é direito do filho ter em sua certidão de nascimento o nome do pai. Destarte, obrigatório que o nome do pai conste da certidão de nascimento daquele que teve sua paternidade reconhecida.
Única exceção a tal regra ocorre quando o filho maior não deseja ser reconhecido, constando da lei que o reconhecimento não pode se dar sem o seu consentimento.
Para melhor ilustrar essa situação, basta imaginarmos que uma ação de reconhecimento de paternidade teve início quando o filho era menor de idade, portanto, litigava assistido ou representado por sua mãe. Ao final do processo, que não raramente tramita ao longo de anos por diversas instâncias do Poder Judiciário, o filho já havia alcançado a maioridade, podendo fazer valer sua vontade exclusiva, independentemente da sua genitora. Nessa hipótese, se não houver o consentimento dele quanto ao reconhecimento, não há que se falar na alteração do seu registro civil. É o que determina o artigo 4º da Lei 8.560/1992.
A resposta é afirmativa, de modo que, comprovada a paternidade, em tese, o filho faz jus ao recebimento de pensão, se presente o binômio necessidade (de quem recebe) e capacidade (de quem paga), sendo de rigor que a mesma decisão judicial que reconheceu a paternidade venha a decretar – ou não – o pagamento de alimentos.
Em relação à retroatividade do pagamento da pensão, a Súmula 277 do Superior Tribunal de Justiça, estabelece que:
“Julgada procedente a investigação de paternidade, os alimentos são devidos a partir da citação”.
No entanto, a relevância da discussão reside na idade do filho, mais precisamente se menor ou não.
Melhor explicando, se menor de idade o filho, desde que a ação judicial escolhida não seja aquela cujo procedimento prevê a prisão do devedor acaso não honre a dívida, conforme abordado nesse artigo, admite-se a cobrança de todos os valores atrasados, sem limitação de tempo e valor. Já se ao tempo da procedência da ação de reconhecimento de paternidade o filho era maior de idade, igualmente se escolhido para a cobrança o procedimento da expropriação de bens (e não aquele que pode culminar com a prisão do devedor de alimentos), podem ser cobrados apenas os dois últimos anos, haja vista que a prescrição corre em desfavor do maior de idade e o prazo prescricional para tal ação é de dois anos.
A menoridade traz consigo aspectos fundamentais, especialmente a presunção da necessidade do menor e a competência dos pais de exercer plenamente o poder familiar.
O poder familiar abrange uma série de ações dos pais para garantir a criação, a educação e o desenvolvimento pleno dos filhos, estando os menores sujeitos a tal poder.
Os pais têm o dever de dar assistência, criar e educar os filhos e estes, por sua vez, o direito de exigir alimentos que garantam não só sua sobrevivência, mas sua educação e seu pleno desenvolvimento.
Portanto, pode-se dizer que enquanto menores, os filhos têm como aliados o poder familiar que traz uma série de obrigações aos pais e, em eventual ação judicial, a presunção da necessidade.
Já com a maioridade, tal como pacificou o STJ por meio da Súmula 358, “o cancelamento de pensão alimentícia de filho que atingiu a maioridade está sujeito à decisão judicial, mediante contraditório, ainda que nos próprios autos”.
Significa dizer que mesmo com o advento da maioridade não há extinção automática do direito ao recebimento de pensão alimentícia, sendo necessário que o pai ajuíze ação a fim de que seja dada ao alimentando a oportunidade de demonstrar que ainda necessita da pensão, cabendo ao pai provar o contrário.
Exceção para a manutenção da obrigação alimentarapós a maioridade do filho ocorre se ele se mantém estudando (bacharelado), conforme notório entendimento jurisprudencial atual.
Muitos acreditam que, em regra, o valor da pensão alimentícia equivale a 30% dos rendimentos daquele que deve pagar pensão.
Trata-se de um mito construído, infelizmente, a partir de determinados usos e costumes que outrora foram adotados por operadores do Direito, a nosso ver, sem muita coerência e sem fiel observância à maioria dos casos.
Atualmente é senso comum que o valor da pensão alimentícia deve ser fixado de acordo com parâmetros que norteiam cada caso individualmente, inexistindo percentual ou equação pronta apta a reproduzir em escala as necessidades daqueles que demandam alimentos e a capacidade de quem tem o dever legal de prestar alimentos.
Cabe às partes, nas situações em que há diálogo e se pode chegar a um consenso, reservando-se aos magistrados, onde há litígio, após oitiva dos membros do Ministério Público, verificar atentamente o binômio ‘necessidade x capacidade’, arbitrando o valor da pensão de forma justa, prevendo, inclusive, a dinâmica a ser adotada acaso o alimentante (aquele que paga alimentos) venha a perder seu emprego.
Embora existam decisões que imponham multa aos pais que não se dignem cumprir seu papel, visitando seus filhos, com eles convivendo e a eles dispensando um mínimo de atenção, parece-nos mais acertado que um pai não pode ser compelido a conviver com seu filho, sob pena de multa, afinal de contas, o amor não pode ser imposto, comprado, tampouco pago sob a forma de sanção de obrigação judicialmente determinada.
No entanto, doutrina e jurisprudência são unânimes ao afirmar que amar é faculdade, enquanto cuidar é dever!
Assim, não se admite o abandono socioafetivo por parte do pai (obviamente que por parte da mãe, tampouco, mas, tenhamos em mente que o artigo trata de reconhecimento de paternidade).
Tanto o abandono socioafetivo quanto o afetivo vêm gerando condenações por danos morais Brasil afora, levando as decisões em consideração que aos pais que não nutrem amor por seus filhos, que muitas vezes sequer eram do seu conhecimento antes de um processo judicial, ainda assim cabe o dever de cuidado, assim entendido amparo moral, material e um mínimo de afeto, interligado ao princípio da dignidade humana, já que um filho merece ser norteado como ser humano, sobretudo porque a família é tida como base da sociedade pela Constituição Federal.
Portanto, da mesma forma que o abandono de incapaz e o abandono material podem gerar condenação penal, por força dos artigos 133 e 244 do Código Penal, o abandono socioafetivo, ainda que observado o dever de pagar pensão alimentícia, tem o condão de gerar ao filho o direito de receber indenização por danos morais, haja vista o abalo psicológico, cuja lacuna, diferente da falta de recursos financeiros, não pode ser suprida.
Para concluir, deve ficar claro que os direitos do filho reconhecido mediante ação de reconhecimento de paternidade são, absolutamente, todos aqueles inerentes a um filho havido no casamento, não mais havendo que se fazer diferença alguma entre o que um dia tristemente se convencionou chamar de filhos legítimos (advindos de relação oficial) ou ilegítimos.
*Dr.Douglas Ribas Jr. é graduado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) em 1993 e pós-graduado em Direito Processual Civil pela mesma instituição. Cursou Program of Instruction for Lawyers na University of California - Davis. Reconhecido entre os mais admirados advogados de 2015 e 2019 pelo anuário Análise Advocacia, atua em contencioso e consultoria, especialmente nas áreas do Direito Civil, Consumidor, Comercial, Contratos, Imobiliário, Trabalho e Societário. Instagram: @douglas_ribas_advogados
**Dr.Carlos Alberto Santana é Consultor da área cível do escritório Douglas Ribas Advogados Associados. Doutor e Mestre em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo - FADISP/SP. Pós-graduado em Direito Processual Civil e em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP. É Professor de Direito Processual Civil e de Direito Civil. Especialista em Direito Imobiliário e em Sistema Financeiro da Habitação. Escreve nas áreas de Direito Processual Civil e de Direito de Família. Advogado atuante nas áreas do Direito Público e do Direito Privado.
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