O advogado Anderson Albuquerque explica o que é o abandono afetivo de um filho e quais a consequências disso, inclusive jurídicas
Anderson Albuquerque* Publicado em 26/07/2021, às 17h02
Dados do Conselho Nacional de Justiça divulgados em 2013, com base no Censo Escolar (2011), apontam que 5,5 milhões de crianças não possuem o nome do pai registrado na certidão de nascimento.
O número é alarmante. Segundo o último levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 11 milhões de mulheres criam seus filhos sem a ajuda do pai, sozinhas.
É um direito da criança possuir o nome dos pais na certidão de nascimento, mas o abandono afetivo vai além da falta de registro do filho – ocorre quando um dos pais (ou ambos) não cumprem com seu dever de proteção, convivência e assistência afetiva.
Muitas mães, porém, não sabem sequer onde está o pai do seu filho. Como então proceder nessa situação? A mulher deve procurar a Justiça com o máximo de informações que tiver sobre o pai, como nome completo, RG, CPF etc.
Para que o paradeiro do pai seja investigado, é preciso entrar com um pedido de investigação de paternidade. Uma vez encontrado o suposto pai, os dados são encaminhados ao juiz, que irá intimá-lo para reconhecer a paternidade. Se ele se recusar a fazer o reconhecimento, o caso irá a julgamento.
Serão então realizadas audiências, onde testemunhas serão ouvidas para ajudar na investigação. Se mesmo após as oitivas o suposto pai continuar negando a paternidade, é possível solicitar um exame de DNA.
Se o resultado do DNA for positivo, o filho terá o nome do pai incluso na certidão de nascimento, e terá direito à herança. O pai também terá que pagar pensão alimentícia, a partir da data em que foi citado, como estabelecido no artigo 13, parágrafo 2º da Lei 5.478/68:
“Lei nº 5.478 de 25 de Julho de 1968. Dispõe sobre ação de alimentos e dá outras providências. Art. 13 O disposto nesta lei aplica-se igualmente, no que couber, às ações ordinárias de desquite, nulidade e anulação de casamento, à revisão de sentenças proferidas em pedidos de alimentos e respectivas execuções. 2º. Em qualquer caso, os alimentos fixados retroagem à data da citação.”
Mas o que acontece se o pai tiver falecido ou não for encontrado? No dia 16 de abril de 2021, o presidente Jair Bolsonaro sancionou a Lei 14.138/21, que autoriza a realização de exame de DNA em parentes consanguíneos para comprovar a suspeita de paternidade, nos casos em que o pai biológico estiver morto ou seu paradeiro for desconhecido.
Preferencialmente, o juiz convocará para exame os parentes de grau mais próximo. Caso eles se recusem a realizar o teste, o juiz poderá decidir, ao analisar as provas disponíveis, pela presunção de paternidade.
Infelizmente, o registro do nome do pai na certidão de nascimento da criança não garante o cumprimento do seu maior dever em relação ao filho: afeto. A família é essencial para o pleno desenvolvimento de uma criança - o afeto e o dever de cuidado são os principais fundamentos do Direito de Família, e sua ausência pode ter consequências para o resto da vida.
Um exemplo da importância da presença dos pais e do afeto na criação dos filhos foi a aprovação, pela Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado Federal, do projeto de lei PLS 700/2007, que altera o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a fim de caracterizar o abandono moral dos filhos pelos pais como um ilícito civil e penal.
Confirmando o entendimento jurisprudencial, o projeto obriga a reparação de danos morais aos pais que deixarem de prestar assistência afetiva aos seus filhos, através da convivência ou visitação periódica.
Responsabilizar o abandono afetivo dos pais civilmente não substituirá jamais o afeto e o cuidado genuínos dos pais em relação aos seus filhos. No entanto, esta foi a maneira que a Justiça encontrou para punir os pais que descumprem seu dever – que deveria ser espontâneo – de assistência afetiva, e assim tentar garantir a proteção integral da criança e do adolescente.
*Anderson Albuquerque, sócio do Albuquerque & Alvarenga Advogados