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Neste dia de combate, é necessário falar em prevenção do abuso sexual infantil

18 de maio: "dia de reforçar a proteção de crianças e adolescentes contra o abuso e a exploração sexual", diz instituto Alana

Mariana Albuquerque Zan e Pedro Mendes Silva* Publicado em 18/05/2022, às 15h08

A criança que sofre abuso dá sinais
A criança que sofre abuso dá sinais

O dia 18 de maio é o dia nacional de combate ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes. Com o slogan “Faça bonito, proteja nossas crianças e adolescentes”, a campanha nacional de combate ao abuso e à exploração sexual infantojuvenil coloca em evidência as graves violações de direitos que atingem a dignidade humana e a integridade física e mental das vítimas. Considerando o contexto brasileiro, enfrentar o abuso e exploração sexual infantojuvenil é uma tarefa urgente: segundo dados oficiais divulgados em 2021, o Disque 100 recebeu 6 mil denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes.

Considerando o contexto de pandemia de Covid-19, a interrupção dos serviços e atividades presenciais também devem ser considerados para a discussão sobre o abuso e exploração sexual infantojuvenil, pois é no contato com atores externos a sua residência que elas têm a possibilidade de denunciar as violências sofridas ou que as mesmas sejam identificadas. Segundo dados apresentados pelo “Dossiê Infâncias e Covid-19: os impactos da gestão da pandemia sobre crianças e adolescentes”, elaborado pelo Instituto Alana em parceria com o Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário (CEPEDISA), no início da pandemia, entre os meses de março a junho de 2020, o Disque 100 registrou um aumento geral do número de denúncias de agressões a outros grupos sociais vulnerabilizados (idosos, pessoas com deficiência, pessoas privadas de liberdade e mulheres), enquanto o único grupo em que se registrou menos denúncias foi o das crianças e adolescentes. Porém, a redução dos números não equivale à redução das violências.

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Já no primeiro semestre de 2021, houve um aumento no número de denúncias de violações de direitos de crianças e adolescentes em comparação ao semestre anterior. Conforme pesquisa realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pela Fundação José Luiz Egydio Setúbal, no primeiro semestre de 2021, considerando 12 unidades federativas brasileiras (Na pesquisa, foram consideradas as seguintes unidades federativas: Alagoas, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Pará, Piauí, Paraná, Rio de Janeiro, Santa Catarina e São Paulo), foram registrados 24.761 boletins de ocorrência de casos de violência contra crianças e adolescentes. A mesma pesquisa apontou que, no período de 2019 a 2021, apenas os crimes de estupro e exploração sexual somaram 74.535 boletins de ocorrência, representando mais da metade dos boletins de ocorrência registrados[4]. Isso demonstra que, nesse momento, as denúncias represadas começaram a chegar aos órgãos de proteção.

Esses dados devem ser analisados junto a outro componente do panorama de sistemática violação de direitos das crianças e adolescentes brasileiras: a histórica subnotificação dos casos de violência e exploração sexual. O silenciamento, o segredo e as ameaças consistem em elementos característicos da violência sexual e, para além desse ponto, o medo de retaliação por parte do(a) agressor(a), do estigma e a confiança reduzida nas autoridades e nos serviços disponíveis fazem com que grande parte das crianças, adolescentes e suas famílias não denunciem essa forma de violência.

Pensando nessa demanda represada pelo período de distanciamento social e o papel fundamental das escolas para a denúncia e identificação das violências, a Coalizão Brasileira pelo Fim da Violência publicou o guia: “Preparando escolas para a volta às aulas presenciais: um olhar para as crianças e os adolescentes vítimas de violência”[5]. O documento aborda os impactos dos fechamentos das escolas e traz recomendações para auxiliar os educadores a identificarem e acolherem crianças e adolescentes que foram vítimas de violência durante o período de isolamento social. Entre elas, destacam-se a necessidade de elaboração e implementação de protocolos claros para a atuação da comunidade escolar diante de denúncias trazidas pelos estudantes; a capacitação de professores, gestores e demais funcionários sobre sinais de que crianças e adolescentes foram vítimas de violências, bem como a criação de ambientes acolhedores.

Nesse contexto, promover o debate social e enfrentar o abuso e a exploração sexual mostra-se uma tarefa ainda mais necessária e urgente. Fruto de uma conquista histórica pelos direitos das crianças e adolescentes e estabelecida em memória à menina Araceli Crespo (em 18 de maio de 1973, Araceli Crespo, criança de 08 anos de idade, foi sequestrada, violentada e assassinada), o dia 18 de maio marca a data para mobilizar, sensibilizar e lembrar a sociedade brasileira que cuidar de crianças e adolescentes e protegê-los de toda forma de violência é um dever compartilhado entre Estado, família e sociedade, conforme prevê o artigo 227 da Constituição Federal e o artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), dever reforçado, ainda, pelo artigo 70 do ECA, que determina: “é dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente”.

Ainda, importante ressaltarmos que esse tipo de violência contra indivíduos reconhecidamente vulneráveis evidencia os elementos culturais que a ensejam, como a relação desigual entre adultos e crianças, o racismo, as desigualdades de gênero, a desconsideração de crianças e adolescentes como sujeitos de direitos e a adultização precoce. Os dados revelam ainda que, em se tratando de violência sexual, mais de 85% das vítimas são do sexo feminino. Embora a maioria das vítimas tenham entre 10 e 13 anos, chama a atenção que 18,7% tenham entre 5 e 9 anos de idade, e que 11,2% são bebês de 0 a 4 anos. Se entre as vítimas do sexo masculino, os casos estão mais concentrados durante a primeira infância, entre as vítimas do sexo feminino a violência sexual acontece mais frequentemente durante a adolescência. Além disso, considerando o marcador social raça, nos referidos crimes, crianças e adolescentes negras representam mais de 50% das vítimas[7].

Assim, diante da análise dos dados apresentados, a violência contra crianças e adolescentes está aumentando e há um grupo ainda mais vulnerabilizado: adolescentes negras e do sexo feminino. Tal aspecto indica que o combate e a prevenção destes tipos de violências demandam a elaboração de políticas públicas interseccionais e intersetoriais, que fortaleçam uma atuação em rede, além do necessário incremento dos investimentos em prevenção às violências, inserindo a prioridade absoluta no plano orçamentário para garantir a efetivação dos direitos humanos de todas as crianças e adolescentes.

É buscando proteger todas as crianças e adolescentes que o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes consiste em uma importante data para reforçarmos a responsabilidade coletiva, de famílias, sociedade e Estado, na construção de um país em que os direitos de crianças e adolescentes estejam em primeiro lugar e na qual todas as meninas e todos os meninos estejam livres e protegidos de toda e qualquer forma de violência.

mariana alana
Mariana Albuquerque Zan

pedro alana
Pedro Mendes Silva

* Mariana Albuquerque Zan e Pedro Mendes Silva são advogados do Instituto Alana.

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