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O luto é um deserto que temos que atravessar sozinhos

A Dra. Silvia Tahamtani fala neste artigo sobre o processo do luto

Dra. Silvia Tahamtani* Publicado em 14/06/2022, às 06h00 - Atualizado às 13h40

O luto é expresso de forma diferente por diferentes culturas
O luto é expresso de forma diferente por diferentes culturas

O luto é uma resposta emocional, natural e universal à perda de um ente querido, uma expressão externa dessa dor, incluindo costumes culturais e religiosos que cercam a morte. É também um processo de adaptação à vida após a perda, portanto, não é um fenômeno estático, mas um processo em movimento que reconstrói, por meio da ressimbolização de um mundo pessoal de significados, que foi ameaçado pela perda.

A perda é uma poderosa experiência que abala os alicerces da vida familiar. No entanto, a pesquisa, a teoria e a prática se concentraram principalmente no luto individual na perda de um vínculo diádico (composto por somente dois indivíduos). É necessária uma perspectiva sistêmica que amplie nossa visão dessas perdas significativas, para os processos transacionais e influências mútuas, que afetam todos os membros da família, seus vínculos interconectados e o funcionamento familiar.

As reações à perda são chamadas de reações de luto e variam de pessoa para pessoa, e dentro da mesma pessoa ao longo do tempo. Levam a sintomas somáticos e psicológicos complexos.

A maioria dos indivíduos se recupera adequadamente dentro de um ano após a perda; no entanto, quando os indivíduos experimentam uma extensão do processo de luto padrão, diz-se que estão experimentando luto complicado ou transtorno de luto prolongado, que se acredita ser o resultado da falha na transição do luto agudo para o luto integrado. Os sintomas de luto agudo incluem choro, tristeza e insônia e geralmente não requerem tratamento.

Quando uma pessoa é diagnosticada com uma doença terminal é também acometida, juntamente com seus familiares, de um tipo de luto conhecido como luto antecipatório (LA). Este tipo de luto é uma resposta a uma perda esperada. Cerca de um terço dos cuidadores familiares de pacientes com doenças potencialmente fatais (como câncer) apresentam LA. Embora o LA seja considerado uma progressão natural ao cuidar de parentes em estado terminal, os efeitos são, no entanto, debilitantes para os familiares e cuidadores, que devem aprender a lidar com o processo. Isto é especialmente significativo dado o aumento dos cuidados domiciliares em fim de vida.

Na sociedade ocidental, para a maioria dos cuidadores familiares, o LA é uma experiência altamente estressante e ambivalente devido à antecipação da morte e perdas relacionais. Enquanto o paciente está fisicamente presente e necessita de cuidados, a família deve ser funcional e inibir as expressões de luto. Nota-se que quanto menor é a comunicação entre paciente e cuidadores, mais grave será o LA. O apoio ao luto, programas educacionais e recursos relevantes devem ser fornecidos antes mesmo da perda real para lidar com o fardo dos cuidadores.

O luto desprivilegiado é um peso que as pessoas experimentam quando incorrem em uma perda que não é ou não pode ser abertamente reconhecida, publicamente lamentada ou socialmente apoiada. É o tipo de luto que podemos identificar nos profissionais de saúde quando perdem alguns de seus pacientes. O luto em profissionais de saúde não é sancionado e pode desempenhar um papel no esgotamento médico (burnout).

As pessoas enlutadas mais jovens sofrem mais consequências após uma perda do que as pessoas mais velhas, incluindo consequências psicológicas e físicas mais graves para a saúde. Esses sintomas relacionados à idade podem ocorrer porque tais pessoas geralmente experimentam uma perda súbita e inesperada. Podem ter mais dificuldade no período inicial após uma perda, mas recuperaram-se mais precocemente porque têm acesso a mais recursos sociais.

O luto é expresso de forma diferente por diferentes culturas, e a fé pode ajudar nesse enfrentamento, mas ninguém pode escapar da dor emocional, psicológica e espiritual associada ao luto que os indivíduos sentem quando sofrem uma perda. Por esta razão, é melhor ter uma abordagem holística ao cuidar daqueles que estão sofrendo para atender de forma mais eficaz às suas necessidades e trazer esperança e cura para essa experiência tão dolorosa.

Uma abordagem da perda orientada para a resiliência é guiada por uma compreensão dos desafios adaptativos da família, variáveis que aumentam o risco e processos transacionais chaves que promovem a recuperação e a resiliência. De uma perspectiva sistêmica, a vulnerabilidade familiar, risco e resiliência são vistos à luz de influências recursivas em vários níveis ao lidar com experiências e contextos sociais altamente estressantes.

Veja também

Aplicando uma estrutura de resiliência familiar, a discussão destaca o poder dos sistemas de crenças compartilhados em: (1) significar a experiência da doença; (2) uma perspectiva positiva, esperança e foco nas possibilidades; (3) valores transcendentes e ancoragens espirituais para inspiração, transformação e crescimento positivo.

Em todo o processo (refiro-me à nossa experiência coletiva), todos nós somos afetados (profissionais e famílias) à medida em que enfrentamos os desafios à frente.

sra silvia
Dra. Silvia Tahamtani

*Dra. Silvia Tahamtani é médica especializada em Dor do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), é diretora da Clínica SPES, tem formação em cuidados paliativos e faz parte do comitê de dor oncológica da Sociedade Brasileira do Estudo da Dor (SBED).

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