Após polêmica, relator de projeto de lei sobre reprodução assistida afirma que parecer favorável foi um equívoco
Ana Beatriz Gonçalves* Publicado em 16/08/2021, às 09h54 - Atualizado às 13h31
Um susto para o futuro da reprodução assistida no Brasil. Na semana passada, o Dr. Rodrigo Rosa, ginecologista especialista na área e referência no conjunto de técnicas médicas, como a inseminação artificial e a fertilização in vitro, se manifestou através das redes sociais, onde soma 452 mil seguidores, sobre o Projeto de Lei nº 1184/2003, que estava "engavetado" e que acabou ganhando um parecer favorável naquela semana.
Após mobilizar internautas e a sociedade científica sobre o projeto e alertando a série de mudanças retrógradas e ultrapassadas para o procedimento de reprodução humana assistida, que atualmente possibilita que milhares de casais homoafetivos e também heterossexuais, possam realizar o sonho da maternidade e paternidade, o especialista compartilhou um posicionamento do relator Diego Garcia, Deputado Federal pelo Paraná, que afirmou que o parecer foi um equívoco da sua equipe.
"Projeto não será votado, fique tranquilo. Já está em minhas mãos novamente. Foi um erro da minha equipe que subiu no sistema sem antes tratar comigo. Faremos audiências públicas com especialistas e só depois devo dar novo parecer", escreveu ele em troca de mensagens com Erivelton Laureano.
O Papo de Mãe conversou com o especialista, que explicou sobre sua preocupação, que gerou uma série de indignações entre os internautas.
Confira a entrevista na íntegra:
Papo de Mãe: A gente quer começar entendendo o que aconteceu. Por que você acredita que a reprodução assistida pode acabar no Brasil?
RR: Então, um projeto de Lei escrito em 2003, que agora o relator colocou para votação na Câmara, é extremamente ultrapassado e mudaria muito as condições da reprodução humana assistida. Essa PL impõe uma série de condições e limitações que não cabem nos tempos de hoje, afinal de contas, o mundo mudou de 2003 para 2021.
Papo de Mãe: Quais são essas limitações que você diz?
RR: A começar pelo diagnóstico de infertilidade, o projeto de Lei impõe este documento e a gente sabe que isso excluiria os casais homoafetivos, que hoje não precisam desse diagnóstico. Foi um avanço para eles e até para o Conselho Federal de Medicina, que contempla e super apoia os casais a buscarem a reprodução assistida. Além de que isso excluiria também uma boa porcentagem da população brasileira do direito de ser pai ou mãe.
Além disso, o projeto prevê a limitação do número de embriões para no máximo dois e proíbe totalmente o congelamento de óvulos. A ciência mostra que são necessários vários óvulos para que a gestação evolua. Nem todo embrião se desenvolve e quando você limita para dois, a probabilidade de tentativas acabam sendo extremamento reduzidas. Isso faria que os casais precisassem de muitas tentativas, seria inviável pelos custos do tratamento. Atualmente, a maioria dos casos de fertilização in vitro são feitas com embriões congelados. Se isso não puder acontecer mais, as chances vão diminuir consequentemente.
A biópsia do embrião também seria proibida, o que certamente aumentaria o risco de abortos e falhas gestacionais. Traria uma série de repercussões negativas emocionalmente para os pacientes.
A barriga solidária também não seria permitida. O que é um absurdo porque milhares de mulheres que não possuem útero ou simplesmente não têm condições de gestar, seriam impedidas de ter filhos biológicos. Já a ovo doação, que hoje em dia é totalmente anônima, seria exposta e acabaria por inibir pessoas de doarem. Mais um transtorno gigantesco emocional.
Papo de Mãe: Como foi a reação das suas pacientes que viram a publicação e o que você pode dizer sobre a repercussão em geral desse projeto?
RR: Causou um alvoroço, as pacientes ficaram desesperadas, algumas até me ligaram chorando com medo de não conseguirem ser mães. Trouxe um transtorno para milhares de pessoas que estão com medo. Com essas condições, a reprodução assistida ficaria insustentável, pois as taxas de gravidez seriam mínimas, os custos seriam elevadíssimos e milhares de casais seriam impossibilitados de realizar o sonho da gestação e do bebê em casa. Com apenas 2 óvulos fertilizados, sem biópsia e sem congelamento, os casais precisariam de muitos tratamentos para atingir uma taxa razoável de gravidez.
Papo de Mãe: O projeto de Lei é de 2003, o que você acha que aconteceu para ele sair da "gaveta" dos parlamentares?
RR: Isso tira a autonomia e o direito ao planejamento familiar. Do mesmo jeito que as pessoas podem não querer ter filhos, as pessoas que querem ter que lançar a mão de tudo que estiver à disposição da medicina e da ciência. É uma limitação absurda e de cunho religioso. É uma questão de cunho ideológico.
Papo de Mãe: Durante a pandemia a procura por reprodução assistida cresceu, certo? O que você percebeu a respeito disso? Quais foram as principias dúvidas, desejos e medos dos pacientes?
RR:Tivemos duas procuras diferentes, dois perfis de pessoas. Primeiro, as mulheres solteiras por volta dos 35 anos, que já apresentam uma queda de fertilidade e por isso optaram pelo congelamento de óvulos. Acredito que o contexto da pandemia e isolamento social, que dificultou as relações amorosas, fez com que isso acontecesse. Elas procuraram mais o procedimento também pela possibilidade de investir recursos financeiros, já que viagens ou outros planos tiveram que ser adiados.
Outro grupo foram dos casais que viram que com a pandemia, alguns conceitos de felicidade mudaram. Muitos casais que não iam atrás do sonho da maternidade e paternidade, viram que aquilo tinha um peso muito maior. Sentiram mais a necessidade de terem filhos.
Teve um aumento no Brasil e nos Estados Unidos. Lá fora uma pesquisa mostrou isso, já aqui não teve nada oficial, mas se percebeu essa crescente. Nos EUA, o estudo mostrou um aumento de 50% de mulheres congelando óvulos e aqui no Brasil a estimativa foi de 40% a mais.
Papo de Mãe: E por fim, a gente gostaria de saber o que mudou com as novas resoluções éticas aprovadas pelo Conselho Federal de Medicina em junho desse ano.
RR: A nova resolução do Conselho trouxe dois lados, alguns avanços importantes e alguns retrocessos em relação ao que a ciência mostra. Os avanços foram: a doação de óvulos que antes só poderia ser anônima e agora passou a ser permitido não ser anônima, desde que sejam parentes até quarto grau. Foi colocado também que a fertilização poderia acontecer em casais homoafetivos, isso não estava contemplado na resolução anterior, embora fosse aceito.
O retrocesso é em relação ao número de embriões que podem ser gerados em um ciclo de fertilização, que foi limitado a 8, e a gente sabe que nem todo óvulo gera embrião, e por isso, a taxa de gravidez máxima é em torno de 15 a 20 óvulos. As tentantes terão a chance reduzida. Isso limita até um planejamento familiar dos casos. Mas nada disso é comparado ao Projeto de Lei.
*Ana Beatriz Gonçalves é jornalista e repórter do Papo de Mãe
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